China: imperialista ou um “imperialismo benevolente”?

Este artigo de Mustafa Yalçıner — teórico marxista-leninista, dirigente e quadro do Emek Partisi, membro da Conferência Internacional de Partidos e Organizações Marxista-Leninistas (CIPOML), além de colunista do jornal Evrensel Gazetesi — examina a posição da China na atual disputa interimperialista atual e o papel da China como vetor central da nova partilha do mundo.

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Em julho, realizaram-se duas reuniões consecutivas: primeiro a da Organização de Cooperação de Xangai (OCX) e, em seguida, a da OTAN. Ambas confirmaram, mais uma vez, que a disputa pela redistribuição do poder mundial se intensifica e que o sistema internacional se torna progressivamente mais tenso.

A OCX — uma estrutura flexível, com funções políticas e militares menos centralizadas que as da OTAN — é formalmente alinhada à Rússia, mas opera, na prática, sob o eixo da China. Seu corpo de membros é heterogêneo: reúne países da Ásia Central com vínculos relevantes com os EUA e o imperialismo europeu, além de Índia e Paquistão. Excetuando-se o Paquistão, os demais não demonstram disposição em transformar a OCX numa aliança político-militar coesa. Ainda assim, Rússia e China compartilham necessidades e avaliações estratégicas semelhantes — e deixaram isso explícito na última reunião. Para ambas, consolidar a aliança tornou-se uma urgência.

A OTAN, por sua vez, é uma aliança mais centralizada, com estratégias políticas e militares claramente definidas, o que garante aos EUA uma vantagem estrutural decisiva frente a seus rivais.

Rússia e, sobretudo, China também ocupam posições de liderança no BRICS. Ambos utilizam o BRICS como uma plataforma adicional para avançar seus objetivos estratégicos. Tanto o BRICS quanto a OCX são, até o momento, instrumentos principalmente econômicos, financeiros e parcialmente politizados, por meio dos quais China e Rússia buscam ampliar e consolidar sua margem de manobra diante dos EUA e — igualmente — frente aos imperialistas europeus e japoneses. Caso contrário, seria evidente para a China que alianças estreitas com países como a Índia — com quem mantém disputas históricas de fronteira — são inviáveis no futuro próximo. A mesma impossibilidade vale para as relações entre Índia e Paquistão, marcadas por conflitos territoriais e pela questão irresoluta da Caxemira.

Mesmo assim, China e Rússia não hesitam em fortalecer ambas as organizações com a inclusão de novos membros. O Azerbaijão pleiteia elevar seu status dentro da OCX, com o apoio chinês; já o BRICS se expandiu no início de 2024 com a entrada de Egito, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Irã e Etiópia.

Com exceção do Azerbaijão e, em certa medida, do Irã, não é possível afirmar que esses países tenham formado uma aliança estratégica consistente com China e Rússia — seja militar, política, econômica, comercial ou financeira. De fato, Arábia Saudita e China desenvolveram relações positivas nos últimos anos: Riad investe na China, fornece energia e recebe assistência técnica, além de ter restabelecido relações diplomáticas com o Irã sob mediação chinesa. Da mesma forma, os Emirados Árabes Unidos mantêm vínculos estreitos com a China: fornecem energia, diversificam sua economia por meio dessa parceria e concentram em seus portos cerca de 60% do comércio chinês com Europa e África. Contudo, a Índia — membro da OCX e do BRICS — é uma das principais articuladoras do “Novo Corredor Econômico” EUA-Europa, que liga Índia e Europa passando justamente pela Arábia Saudita. Após a guerra civil libanesa, que fragilizou Beirute como polo financeiro, os Emirados consolidaram-se como o principal centro financeiro do Ocidente na região. Quanto ao Egito, embora grande parte de seu armamento seja russo, os bilhões de dólares anuais de assistência militar norte-americana garantem ao país estabilidade regional e proximidade estratégica com Washington.

Apesar disso, Rússia e China — responsáveis diretas pela recente expansão do BRICS — continuam inclinadas a ampliar essas plataformas e a utilizar as novas relações como base para sua própria expansão, mesmo sabendo perfeitamente dos vínculos desses Estados com seus rivais.

Como explicar essa dinâmica?

Esse é o método tradicional de expansão dos imperialismos emergentes: avançar sobre zonas já influenciadas por potências rivais, buscando redesenhar a divisão internacional existente. Tal caracterização pressupõe que grande parte do mundo esteja ainda sob hegemonia — sobretudo política e militar — das potências estabelecidas, mesmo que essa hegemonia se encontre em declínio. Frente a um cenário em que regiões inteiras permanecem sob influência de alianças político-militares como OTAN e União Europeia, ou de instituições internacionais como Banco Mundial, FMI, OMC e até as Nações Unidas, nenhuma potência em ascensão pode expandir-se senão disputando diretamente essas áreas.

A China, membro de quase todas as organizações internacionais exceto OTAN e UE, consolidou progressivamente suas posições à medida que fortaleceu sua economia e ampliou seu raio de relações. Já integrante permanente do Conselho de Segurança da ONU, sua “Iniciativa Global para o Desenvolvimento” — que abrange combate à pobreza, segurança alimentar e financiamento ao desenvolvimento — recebeu apoio do Secretário-Geral da ONU e de mais de cem países. Em 2022, o Grupo de Amigos da iniciativa na ONU chegou a 68 países. A “Iniciativa Global de Segurança” chinesa — que reivindica respeito mútuo à soberania, rejeição à mentalidade de Guerra Fria, oposição ao unilateralismo e solução dialogada de conflitos — também obteve apoio do Secretário-Geral e de diversos Estados. Ambas projetam a imagem de uma China “amiga dos povos”, comprometida com desenvolvimento e estabilidade, mas constituem, essencialmente, instrumentos de ampliação de influência em países formalmente independentes, mas economicamente dependentes.

Esse discurso ganhou novo impulso na recente Cúpula da OCX em Astana, cuja declaração final incorporou partes centrais da Iniciativa de Segurança Global. António Guterres — convidado de honra — reforçou ainda mais o prestígio internacional da China.

A China mobiliza todas as relações possíveis — fortes ou frágeis, desenvolvidas ou periféricas — como pilares de sua expansão global, buscando ampliar continuamente seu peso relativo e enfraquecer seus rivais. Construiu uma aliança essencialmente estratégica com a Rússia, apesar das divergências entre ambas; e calibram suas relações com Coreia do Norte, Irã e Brasil, países de relevante densidade política e com lideranças capazes de negociar em múltiplos tabuleiros. Ao mesmo tempo, a China avança não apenas no seu entorno regional, mas globalmente, valendo-se de relações econômicas e financeiras politicamente carregadas com países como Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos. Tudo isso só se tornou possível graças ao rápido salto industrial chinês, impulsionado inclusive por investimentos estadunidenses e europeus. Em poucas décadas, a China alcançou um nível de industrialização moderna que beira o patamar norte-americano. Amparada em gigantescos monopólios industriais e financeiros, ela hoje supera seus rivais em investimento de capital, crédito, endividamento e volume comercial em todos os continentes — exceto a América do Norte.

Seus rivais vêm reagindo. A OTAN, concentrada na “questão ucraniana”, mas atenta ao crescimento chinês, declarou em sua Cúpula de Washington que “a expansão das relações da China é motivo de preocupação” e pediu que o país cesse seu apoio material e político à Rússia. Longe de retratar Pequim como um ator secundário, o comunicado revela a tentativa de isolar e enfraquecer Moscou — vista como o “ponto de apoio” estratégico da China — e privar Pequim de um parceiro nuclear que contrabalanceie os EUA. As guerras comerciais norte-americanas têm como alvo principal a China, não a Rússia; e agora se estendem a setores vinculados à defesa, como semicondutores, impondo embargos a bens considerados estratégicos. Europeus seguem a mesma direção. Os EUA articulam alianças no Indo-Pacífico contra a China, não contra a Rússia, como exemplificam a aliança AUKUS e o fortalecimento dos pactos militares regionais. O objetivo imediato: bloquear o avanço chinês.

Ainda que a Rússia seja, perante os EUA, um rival “secundário” quando comparada à China — sobretudo no plano econômico —, não deve ser subestimada. Moscou luta na Ucrânia com apoio indireto e crescente da OTAN, fornece energia barata para a economia chinesa e mantém um programa nuclear avançado. Sua influência na África cresce: diretamente no Mali, para onde enviou caças e aeronaves de vigilância; na República Centro-Africana, onde garante treinamento e segurança desde 2018; na Líbia, através das forças Wagner, articuladas com Haftar e setores do Sudão; e em Burkina Faso, onde a junta militar que depôs Christian Kaboré assumiu cooperação explícita com os russos após manifestações públicas com bandeiras da Federação. O avanço econômico da China no continente e a projeção político-militar russa reforçam-se mutuamente.

Em síntese, a luta global pelo poder se intensifica. As potências rivais renovam seus ataques umas contra as outras. Desde a guerra na Ucrânia, o ritmo de armamentos cresce vertiginosamente: antes, poucos países cumpriam a exigência de destinar 2% do PIB ao orçamento militar; hoje, são 23. Os gastos militares da Rússia e da China também se ampliaram significativamente.

Caráter imperialista inconfundível

Na realidade, tudo está exposto de forma cristalina. Ainda assim, persistem esforços sistemáticos para obscurecer os fatos evidentes sobre a Rússia — e, sobretudo, sobre a China — e sobre o caráter de sua expansão. Tais esforços se apoiam em construções teóricas moldadas por necessidades políticas imediatas e, inevitavelmente, por interesses de classe. Não se deve subestimar o alcance dessa operação ideológica.

A verdade essencial é simples: Rússia e China são duas potências imperialistas, articuladas num mesmo bloco e empenhadas em disputar, com seus rivais, uma nova redistribuição do mundo. É justamente essa verdade que se tenta encobrir e distorcer.

Uma das alegações mais difundidas sustenta que a Rússia não seria um país imperialista, sob o argumento de que não possui o “poder econômico necessário” e não preenche as cinco características destacadas por Lênin na definição do imperialismo[1]. Essa tese já foi devidamente criticada em edições anteriores de nossa revista[2].

Os defensores dessa posição insistem em argumentos como: a fragilidade da economia russa; a suposta insuficiência da exportação de capital, apesar da existência de monopólios consolidados e capital financeiro; e a “fuga de capitais” para paraísos fiscais como Chipre e Luxemburgo ou contas offshore, o que colocaria a Rússia numa posição “inferior” na hierarquia econômica global. Mesmo admitindo que parte dessas afirmações sobre a Rússia é unilateral ou distorcida, o ponto crucial aqui é outro: nenhum desses argumentos — nenhum — pode ser aplicado à China.

A China não apresenta fragilidade econômica; sua exportação de capital não é insuficiente; sua posição na divisão econômica mundial não é irrelevante. Ao contrário: a China é hoje a segunda maior economia global, crescendo mais rapidamente que seus principais rivais. Seus investimentos diretos e financeiros no exterior são amplamente conhecidos e até ostentados pela própria propaganda chinesa. Basta mencionar os investimentos diretos e projetos internacionais vinculados à “Iniciativa Cinturão e Rota”, lançada em 2013 e que já movimenta centenas de bilhões de dólares.

Superando a maioria de seus concorrentes em volume de exportação de capital nos últimos anos, o estoque total de capital chinês investido externamente aproxima-se rapidamente do dos EUA. Em volume de comércio, impacto econômico e projeção financeira, a China ultrapassa seus rivais em quase todos os continentes há pelo menos quatro ou cinco anos, impulsionada pelos empréstimos, financiamentos e obras de infraestrutura que patrocina.

Por isso, argumentos como “fraqueza econômica” ou “exportação de capital insuficiente” — já frágeis quando aplicados à Rússia — tornam-se completamente insustentáveis quando empregados para tentar negar o caráter imperialista da China. De fato, ninguém que defenda essa posição ousa basear-se nesses pontos: simplesmente seriam indefensáveis.

O elogio à China

Não há dúvida de que os esforços para encobrir as verdades hoje inegáveis sobre a Rússia e, sobretudo, sobre a China são conduzidos de maneira sistemática e organizada.

O principal agente dessa operação é, naturalmente, o próprio Estado chinês, que investe recursos substanciais na construção de uma propaganda destinada a confundir e distorcer a realidade. O Partido Comunista da China (PCCh) mobiliza todo o aparato estatal nessa direção: universidades, centros de pesquisa, editoras como a Editora da Universidade Renmin, além de selos internacionais como a Canut International e a Canut Books Publisher (Berlim–Londres), que publicam obras teóricas com o objetivo declarado de “esclarecer” os povos do mundo nos campos da filosofia, da economia política, da política e da cultura. A China multiplica publicações — impressas e digitais — e aproveita eventos internacionais, como a Feira do Livro TÜYAP, realizada em outubro passado, para ampliar seu alcance e projetar sua influência.

Mas a propaganda chinesa não se limita ao Estado e às suas extensões formais. Ela se apoia também em uma rede ampla de apoiadores — alguns remunerados, outros voluntários — espalhados por diversos países. Entre eles estão empresas que mantêm relações comerciais com a China e veem nesse vínculo seu destino econômico; além de partidos, organizações e círculos intelectuais burgueses e pequeno-burgueses — em especial correntes revisionistas e oportunistas — que não apenas consideram inofensivos os objetivos chineses, como chegam a vê-los como positivos para seus próprios países. Esses setores funcionam como vetores da propaganda chinesa: elogiam-na abertamente ou a defendem por meio de justificativas que a apresentam como, no mínimo, aceitável sob o prisma internacional, nacional ou pessoal.

O extremo dessa postura manifesta-se na rejeição ativa a qualquer crítica à China. Aqueles que a glorificam — e que sustentam que ela não é um país imperialista — insistem em apresentá-la como “amiga dos povos”; alguns chegam a qualificá-la como socialista, enquanto a maioria simplesmente ignora seu caráter de classe.

Diferentes exemplos das dívidas e créditos pela China

Os defensores da visão benevolente da China recorrem também a alguns exemplos para sustentar suas alegações.

O argumento central é simples: a China “ajuda” os países nos quais investe e aos quais concede empréstimos — e, por extensão, ajuda seus povos. Nos países subdesenvolvidos, profundamente marcados pelo saque colonial britânico, francês e norte-americano — cujos recursos subterrâneos e das superfícies foram espoliados, e cujos povos sofreram opressões brutais, torturas e massacres, — a propaganda chinesa encontra um terreno fértil. Esses povos, traumatizados pela violência dos imperialismos do passado e do presente, tendem a perceber a China, que disputa espaço com essas mesmas potências, como um ator “benevolente”, empenhado em apoiá-los contra a pilhagem e a dominação.

Essa percepção é reforçada pela aparência de ruptura com o velho colonialismo. A China não ocupa territórios nem impõe administrações diretas; evita a anexação formal; estabelece relações com Estados “independentes”, embora econômica e financeiramente dependentes. Como o imperialismo norte-americano fez ao substituir os impérios britânico e francês, a China adapta métodos neocoloniais: evita o domínio explícito e recobre a dependência com a linguagem do respeito à soberania. Isso facilita a imagem de uma China “amigável” e “protetora”.

Sua estratégia também difere da pilhagem imediata e aberta de petróleo, gás, diamantes ou ouro, típica dos velhos colonialismos. Em vez disso, a China concentra-se em instrumentos de dependência de médio e longo prazo: investimentos diretos e conjuntos, concessão de crédito, endividamento estrutural. Ao construir essa teia financeira, subordina progressivamente a economia dos países com os quais se relaciona. É uma forma de exploração que pode, a longo prazo, gerar resistências populares e lutas por independência, mas que, no curto prazo, produz a aparência de parceria e “amizade”.

O método não exclui a apropriação de recursos; apenas a reconfigura. A China privilegia projetos de infraestrutura — portos, ferrovias, barragens, usinas — e fornece empréstimos para viabilizá-los. São investimentos que expandem sua presença econômica, oferecem garantias reais em caso de inadimplência e abrem portas para novas intervenções.

Diante disso, torna-se essencial definir critérios para distinguir o imperialismo da verdadeira ajuda internacional. Que tipo de crédito gera dependência? Que tipo de relação configura solidariedade e qual reproduz dominação?

Conceder crédito a um país subdesenvolvido não é, por si só, prova de imperialismo. O que caracteriza o empréstimo imperialista é a combinação de juros altos, prazos desfavoráveis e condições atreladas — mecanismos destinados a produzir dependência estrutural. A União Soviética socialista ilustra o oposto: desde seus primeiros anos, ofereceu crédito à Turquia como forma de auxílio na luta contra a ocupação imperialista, sem juros, sem condições políticas e sem contrapartidas econômicas.

Logo após a formação do governo da Grande Assembleia Nacional da Turquia (TBMM), a República Socialista Federativa Soviética da Rússia (RSFSR) enviou 6 mil fuzis e milhões de cartuchos de munição; meses depois, mais de 200 quilos de ouro em barras; depois, milhares de bombas. Nenhuma exigência de compensação — apenas solidariedade internacionalista. Em 1921 e 1922, novos envios incluíram dezenas de milhares de fuzis, centenas de metralhadoras, mais de cem mil projéteis de artilharia, mais de cinquenta canhões e 10 milhões de rublos em ouro, todos sem qualquer contrapartida. Somente em 1932 foi assinado o primeiro acordo formal de empréstimo, no valor de 8 milhões de dólares, destinado à construção de fábricas. Era um empréstimo sem juros, com prazo de 20 anos, e pago em produtos agrícolas. As fábricas de tecidos e estampas da Sümerbank em Kayseri e Nazilli foram construídas com esses recursos[3].

O contraste surge quando observamos o segundo exemplo de crédito, agora assinado com a Inglaterra em 1936. Segundo diferentes fontes, tratava-se de um acordo entre 2,5 e 13 milhões de libras esterlinas, com prazo de 10 ou 15 anos, destinado à construção da Siderúrgica de Karabük. O monopólio britânico Brassert venceu a licitação, superando o alemão Krupp. Mais importante, contudo, é o contexto: a Inglaterra pressionou intensamente pela assinatura; o rei Eduardo VIII visitou a Turquia no mesmo ano; e o acordo marcou a transição da proximidade com a URSS para a aproximação com o Ocidente[4]. Concomitantemente, chegaram os “segundos acordos”:

1) A Turquia passaria a adquirir armas britânicas para a defesa dos Estreitos;

2) Especialistas britânicos começariam a atuar dentro de instituições públicas turcas. Ainda em 1936, apesar das objeções soviéticas, o regime dos Estreitos e da segurança marítima foi redefinido na Convenção de Montreux[5]. Além disso, pagamentos extras de 35 mil libras foram feitos à empresa britânica Alexander Gibbs, encarregada das inspeções técnicas de equipamentos fabricados pela Brassert.

Outros exemplos dizem respeito aos acordos de crédito estabelecidos com a URSS após sua degeneração em potência social-imperialista — durante o processo de restauração capitalista iniciado com Nikita Khrushchev. Em contraste com os empréstimos soviéticos originais, sem juros e sem condições, os novos acordos já apresentavam características social-imperialistas.

Em 1957, por exemplo, no acordo firmado para a construção de uma fábrica de vidro em Çayırova, a URSS concedeu um empréstimo de 3,4 milhões de rublos, com juros de 2,5% e prazo de três anos. Foi o início do período dos “empréstimos com juros”. As condições permaneceram relativamente brandas, e a URSS garantiu a compra dos produtos fabricados por 3,5 anos — mas a mudança qualitativa já estava dada.

Em 1966, durante a visita de Kosygin à Turquia, foi firmado novo acordo: um empréstimo de 225 milhões de dólares, por 15 anos, com juros de 2,5%. O valor financiou grandes instalações industriais: as fábricas de ferro e aço de Iskenderun, alumínio de Seydişehir, ácido de Bandırma, madeira de Artvin; as hidrelétricas de Manavgat e Oymapınar; e as instalações de petróleo de Aliağa[6]. Em comparação com Khrushchev, a autoconfiança soviética havia crescido; o montante aumentou e o prazo se estendeu — mas a taxa de juros permaneceu. Era crédito, não solidariedade.

Dívida e empréstimos chineses: ajuda ou armadilha?

No que diz respeito à China atual, é importante notar que, ao contrário das medidas ocasionais de flexibilidade econômica — como o adiamento do pagamento do empréstimo de 2 bilhões de dólares ao Paquistão, que enfrentou um grave desequilíbrio do balanço de pagamentos no ano passado e dificuldades nas negociações com o FMI —, a China não deixa sua imagem de “amiga dos povos” e “potência benevolente” apenas nas mãos da propaganda. Ela a sustenta com iniciativas calculadas, sempre guiadas pelo princípio de que nenhum esforço é poupado quando se espera obter lucro.

O perdão de 2,1 bilhões de dólares em dívidas sem juros que diversos países africanos deveriam pagar até o final de 2020 é um exemplo disso[7]. Tais medidas não são expressões de benevolência, mas parte de uma estratégia flexível para ampliar sua expansão econômica. Essa flexibilidade é, em essência, um cálculo de rentabilidade futura. E basta lembrar que medidas semelhantes — perdões, moratórias, subsídios massivos — também foram aplicadas pelos Estados Unidos ao longo do século 20, inclusive em escala bilionária no Egito e em Israel, ou sob a forma de empréstimos aparentemente sem juros no modelo do Plano Marshall. Todas essas iniciativas, voltadas a consolidar hegemonias regionais, revelam que “generosidade” usada para criar dependência jamais pode ser sinal de amizade.

Além disso, a chamada “generosidade” chinesa é seletiva e limitada. A China concedeu 240 bilhões de dólares em empréstimos a 22 países subdesenvolvidos e dependentes ao longo dos últimos 20 anos como instrumento direto de expansão. Hoje, é o maior credor individual do mundo, presente em todos os continentes. Segundo a Iniciativa de Pesquisa China-África da Universidade Johns Hopkins, entre 2000 e 2017, governos africanos receberam 143 bilhões de dólares em empréstimos chineses. Somente na Ásia, a China concedeu 200 bilhões de dólares em créditos soberanos, intensificando laços de dependência por meio da exportação de capital.

Dados publicados pela Harvard Business Review em 2020 — que devem ser avaliados criticamente, dada a competição dos EUA com a China — apontam que o governo chinês, bancos estatais e empresas privadas emprestaram 1,5 trilhão de dólares a mais de 150 países, o maior volume do planeta. Países como Djibuti, Congo, Níger, Zâmbia, Quirguistão, Camboja, Laos e Mongólia possuem dívidas com a China superiores a 20% do próprio PIB[8].

A China afirma que seus empréstimos não possuem condições políticas e não têm motivações geopolíticas. Isso é falso: países endividados, como o Paquistão, tornam-se estruturalmente dependentes, e mesmo golpes de Estado ou mudanças de governo não alteram, em geral, a posição da China nem reduzem o peso dessa dependência.

Outro relatório, publicado pela EuroNews — e que, como veículo ocidental, deve ser lido levando em conta a competição estratégica europeia com a China — traz conclusões importantes. A investigação reúne pesquisadores de universidades, centros norte-americanos e instituições alemãs como o Instituto de Kiel e o Instituto Peterson. O estudo revela que os contratos de empréstimo chineses apresentam características “excepcionalmente secretas” e incluem cláusulas que: priorizam os pagamentos aos bancos estatais chineses; impõem acordos de confidencialidade que proíbem a divulgação dos termos; estabelecem garantias informais que colocam os credores chineses acima dos demais; dificultam a reestruturação da dívida; permitem o cancelamento unilateral dos empréstimos e a aceleração dos pagamentos.

Tudo isso contraria compromissos internacionais que a própria China assinou[9].

Também chama atenção o fato de que os empréstimos chineses, em média, possuem juros entre 3% e 5%, superiores aos empréstimos do FMI, que geralmente oscilam entre 1,5% e 2,5%. Ou seja: a China não apenas não oferece condições “amigáveis”, como muitas vezes impõe termos mais onerosos que os da própria instituição símbolo do imperialismo financeiro.

A maior parte desses empréstimos integra a Iniciativa Cinturão e Rota (BRI), divulgada como instrumento de apoio aos países em desenvolvimento e como alternativa libertadora diante da hegemonia norte-americana. Na prática, a BRI é um mecanismo estruturado para ampliar a influência econômica chinesa e, por consequência, sua fatia na redistribuição global.

Um dos desdobramentos evidentes — e previsto desde o início — é o processo que muitos já descrevem como “armadilha da dívida”: a apropriação direta de ativos estratégicos quando países não conseguem pagar seus empréstimos. Portos e ferrovias são de interesse particular para a China.

1. O Porto de Hambantota (Sri Lanka)

O Sri Lanka, governado por Rajapaksa — que fugiu do país durante a revolta popular de 2022, — acumulou anos de endividamento externo. Em 2016, cerca de 61% do déficit orçamentário dependia de dívida externa. À beira do colapso, o país acumulava 35 bilhões de dólares em dívidas, sendo 3,4 bilhões com a China e 4,4 bilhões com o Banco Asiático de Desenvolvimento. Incapaz de pagar, o governo vendeu 80% das ações do porto de Hambantota — avaliado em 1,3 bilhão de dólares — à estatal chinesa China Merchant Port Holdings. Após protestos, o acordo foi transformado em um arrendamento de 99 anos, com 70% das ações sob controle chinês[10].

2. O Porto de Pireu (Grécia)

Aqui a origem não é dívida chinesa, mas a crise da dívida grega e a pressão da troika (BCE–FMI–Comissão Europeia). Em 2016, o conglomerado chinês COSCO adquiriu 51% das ações do porto, posteriormente ampliados para 67%. Pireu tornou-se, assim, a principal base chinesa no Mediterrâneo.

3. O Porto de Mombasa (Quênia)

Entre 2010 e 2020, os empréstimos chineses a países de baixa e média renda saltaram de 40 para 170 bilhões de dólares, mais da metade destinados à África Subsaariana. O Quênia é um caso emblemático: a BRI prometia integrar Mombasa e Nairóbi a diversos países vizinhos por ferrovias financiadas por bilhões em empréstimos. A obra, porém, avançou apenas 120 km além de Nairóbi, nunca cruzou a fronteira e opera com prejuízo. As dificuldades foram tamanhas que surgiram rumores de que o porto seria entregue à China — rumores oficialmente negados, mas que revelam o estado crítico das finanças quenianas. Desesperado, o governo busca investidores para assumir cinco portos estratégicos de Mombasa, na esperança de levantar 10 bilhões de dólares e evitar insolvência[11].

4. A Zâmbia e a captura da mídia estatal

A Zâmbia, que deu calote em sua dívida externa de 13 bilhões de dólares em 2020, tem a China como seu principal credor. A reportagem da Deutsche Welle de 2019 detalha a parceria entre a emissora estatal ZNBC e o monopólio chinês StarTimes, criada durante a transição para a TV digital. A joint venture TopStar ficou dividida em 60% para a StarTimes e 40% para a ZNBC, financiada com um empréstimo de 232 milhões de dólares do Exim Bank chinês. A StarTimes, então, emprestou o capital da própria joint venture à ZNBC, criando uma dependência dupla. Quando cidadãos zambianos denunciaram que o monopólio chinês controlaria a distribuição de sinal, o governo respondeu que a StarTimes se tornaria minoritária assim que o empréstimo fosse pago — algo improvável em meio à crise financeira do país[12].

A capacidade de exportação da China como base para as relações de dependência

Um dos pilares centrais da expansão econômica da China é seu enorme potencial de exportação. Depois de superar todos os concorrentes em 2009, a China consolidou essa vantagem ao longo da década. Em 2020, suas exportações alcançaram 2,591 trilhões de dólares, posicionando o país muito à frente dos Estados Unidos e da Alemanha, ambos com exportações inferiores a 1,5 trilhão de dólares[13]. Em 2023, essa diferença se ampliou: as exportações chinesas atingiram 3,380 trilhões de dólares, enquanto a Alemanha chegou a 1,668 trilhão e os EUA a 2 trilhões[14].

A liderança chinesa no comércio internacional se apoia, sobretudo, em sua superioridade absoluta na produção industrial. Em 2022, o valor da produção industrial da China alcançou aproximadamente 5 trilhões de dólares, contrastando de forma contundente com os 800 bilhões do Japão e os 750 bilhões da Alemanha[15]. Os Estados Unidos, com cerca de 2,5 trilhões no mesmo ano[16], continuam atrás da China de forma ampla.

Além disso, como resultado direto da modernização tecnológica de sua estrutura produtiva, a China mantém posição hegemônica na fabricação e exportação de produtos de alta tecnologia. A Alemanha ocupa o segundo lugar no setor, com cerca de 223 bilhões de dólares em exportações de alta tecnologia; os EUA aparecem em quarto, com 166,5 bilhões. A China, entretanto, reina isoladamente na liderança, com aproximadamente 770 bilhões de dólares — valor superior à soma das exportações alemãs e norte-americanas juntas.

Essa composição das exportações chinesas — marcada por alta tecnologia, máquinas, componentes industriais e bens voltados à infraestrutura — produz efeitos estruturais nos países importadores. A padronização tecnológica gerada pelo uso desses produtos, assim como a necessidade permanente de peças de reposição, manutenção e bens intermediários, cria dependências objetivas. Países que se integram a essas cadeias tornam-se economicamente condicionados à continuidade das importações chinesas, o que reforça e aprofunda sua vulnerabilidade externa.

A superioridade da China no comércio exterior, portanto, não é apenas um indicador econômico: é uma ferramenta concreta na construção de relações assimétricas. Ela facilita a formação de interdependências econômicas com países subdesenvolvidos e dependentes — interdependências que, na prática, adquirem uma direção única. Os empréstimos e dívidas concedidos por Pequim não apenas estimulam as importações de produtos chineses: muitas vezes, impõem-nas de modo implícito, mesmo quando isso não aparece formalmente nos contratos. Assim, os fluxos de crédito e os fluxos comerciais tornam-se mecanismos complementares de expansão. Um alimenta o outro, e ambos reforçam a dependência.

Exportações de capital chinesas como meio de expansão

É importante destacar que os investimentos de capital exportados pela China desempenham um papel central na construção das relações internacionais de interdependência que o país vem estabelecendo.

Na análise clássica de Lênin, a exportação de capital constitui uma das características fundamentais do imperialismo. O “excedente” de capital acumulado nos países capitalistas desenvolvidos busca áreas lucrativas no exterior, movido pela perspectiva de lucros superiores. É verdade que um país socialista pode fornecer crédito a outros países — desde que esse crédito seja incondicional, sem juros, sem contrapartidas políticas ou econômicas — sem que isso contradiga sua natureza socialista. Entretanto, quando um país realiza investimentos diretos, investimentos em carteira, estabelece parcerias com propriedade acionária, cria joint ventures ou participa de empreendimentos visando lucro obtido à custa da exploração da força de trabalho local[17], não se trata de solidariedade internacionalista proletária: trata-se do funcionamento típico do capital financeiro. No caso da China — que, nos últimos anos, exportou capital em escala superior à de todas as outras potências — isso expressa, de forma inequívoca, uma dinâmica imperialista.

É verdade que certos países capitalistas não imperialistas — como Turquia, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Grécia — também exportam capital. Mas fazem isso em escala muito limitada, sem capacidade de influenciar decisivamente a economia mundial. Ainda assim, mesmo esses países menores tentam construir relações de dependência, pressionando países africanos e balcânicos para os quais exportam capital. Se isso é verdade para países médios, cujas exportações de capital são modestas, é absurdo imaginar que a China, cuja escala de investimentos supera a de todos os seus rivais, possa ser tratada como uma economia intermediária comparável à Turquia ou à Grécia. A China pertence a outra ordem de grandeza — a ordem das potências imperialistas.

Mesmo enquanto continua atraindo investimentos estrangeiros diretos — que subiram modestamente para 189 bilhões de dólares entre 2021 e 2022 —, a China exporta capital em volume gigantesco. Somada a Hong Kong, suas exportações de capital ultrapassam 250 bilhões de dólares ao ano[18]. A possibilidade de um “país capitalista comum” exportar esse volume é simplesmente inexistente.

Levando-se em conta o entrelaçamento estratégico dos investimentos chineses no âmbito da Iniciativa Cinturão e Rota (BRI) — cujos aportes devem ultrapassar 1,3 trilhão de dólares até 2027 —, e considerando que grande parte desses investimentos se realiza através de joint ventures, participação acionária direta e estruturas de propriedade mista, torna-se inegável que a exportação de capital serve diretamente à expansão imperialista da China. Trata-se de um processo que visa remodelar a geografia econômica mundial, criando dependência em escala nacional, regional e global.

Não há dúvida de que o coração desse processo é o domínio do capital financeiro, sustentado por um Estado que opera em conjunto com parcerias público-privadas e com monopólios industriais e bancários gigantescos. São esses monopólios que exportam mercadorias e capital, concedem crédito, endividam países e moldam as relações internacionais segundo seus interesses — exatamente como descreve a teoria leninista do imperialismo.

A magnitude desse domínio financeiro aparece claramente nas classificações internacionais. Na lista “Global 2000” da Forbes de 2022, o Banco da China ocupa o 13º lugar, com ativos superiores a 4 trilhões de dólares e capitalização de mercado de 118 bilhões. Entre os dez maiores conglomerados financeiros do mundo, os Estados Unidos contam com cinco monopólios, mas a China aparece com três bancos estatais entre os dez primeiros:

• Banco Industrial e Comercial da China (ICBC): 2º lugar, 5,5 trilhões em ativos, 214 bilhões em capitalização de mercado;

• Banco de Construção da China (CCB): 5º lugar, 4,75 trilhões em ativos, 181 bilhões em capitalização;

• Banco Agrícola da China: 8º lugar, 4,5 trilhões em ativos, capitalização de 133 bilhões.[19]

Entre os 30 maiores monopólios globais, nove são chineses. Isso revela o peso extraordinário das instituições financeiras da China e demonstra, de forma irrefutável, que sua economia não opera no nível de uma potência regional, mas sim na escala de um imperialismo de dimensão planetária.

China: Um problema dos povos ou não?

Há ainda outra posição em relação ao imperialismo chinês: a daqueles que, embora não elogiem explicitamente a China, consideram que seus objetivos não prejudicam seu país — e, em certos casos, podem até ser benéficos. Desse modo, ocultam ou distorcem fatos essenciais e, mesmo sem funcionar como porta-vozes diretos da propaganda chinesa, acabam adaptando-se a ela. Exemplos desse tipo de postura abundam, sobretudo entre setores de oposição em países dependentes e subdesenvolvidos da América Latina e da África.

Muitos desses grupos evitam confrontos diretos sobre a conduta chinesa. Não chegam a dizer que a China está certa, mas simplesmente deslocam o eixo do problema. Alegam que suas dificuldades decorrem exclusivamente da pressão do imperialismo norte-americano e de seus aliados; afirmam que “o problema” de seus países é o imperialismo dos EUA, e que Rússia e China não representam ameaça. Assim, ao desconsiderar deliberadamente os interesses, objetivos e estratégias chinesas (e russas), acabam por considerá-las aceitáveis.

Essa postura leva à mesma consequência prática daqueles que exaltam a China como “amiga”: ainda que não a chamem assim, tampouco a identificam como o que de fato é — uma potência imperialista. Não a tratam como inimiga dos povos; não desenvolvem a demarcação e luta política necessária diante de qualquer imperialismo. Em essência, trata-se de uma atitude conciliatória.

E tal atitude se intensifica em momentos políticos específicos. Quando a luta contra o imperialismo norte-americano ou, por exemplo, o francês — potências das quais seus países dependem — ganha força, muitos consideram necessário fortalecer alianças internacionais. Nesses contextos, torna-se quase inevitável o surgimento de uma disposição benevolente para com o imperialismo chinês, especialmente porque a China não hesita em apoiar movimentos ou governos que enfrentam seus rivais. A partir daí, a benevolência se transforma gradualmente em apoio, e o apoio em cooperação prática contra o imperialismo concorrente. É exatamente o que tem ocorrido com a Venezuela de Maduro.

A recusa sistemática em adotar uma postura crítica significa ignorar — ou ser indiferente — aos objetivos do imperialismo chinês, à sua disputa pela redistribuição do mundo e ao seu expansionismo econômico. Na prática, isso configura uma “meia-amizade”: nem oposição, nem aliança declarada — mas uma ambiguidade que abre espaço para ilusões perigosas. Essa insensibilidade diante do caso chinês — alimentada por uma concepção limitada da luta anti-imperialista, que reduz o imperialismo a mera anexação territorial e ignora seus fundamentos econômicos — impede que se alerte a classe trabalhadora e os povos sobre o caráter efetivo da expansão chinesa.

Ao ignorar os instrumentos de dominação utilizados pela China — empréstimos com condições ocultas, investimentos diretos e conjuntos, comércio exterior subordinado —, contribui-se não para o esclarecimento dos povos, mas para a difusão da conciliação. Cria-se expectativa, abre-se a porta para novas relações de dependência e, finalmente, alimenta-se a ilusão de que é possível combater um imperialista apoiando-se em outro. Um beco sem saída.

Tudo o que foi dito sobre créditos chineses, endividamento, investimentos estrangeiros e expansão econômica aplica-se integralmente a essa categoria de posições políticas.

Os “polos” do mundo e o imperialismo “benevolente”!

Há ainda uma outra posição — revestida de um certo “realismo” — adotada por aqueles que reconhecem que a China é imperialista e parte da disputa interimperialista mundial, mas que, apesar disso, veem na formação de um “mundo multipolar” liderado por China e Rússia uma alternativa desejável ao “mundo unipolar” sob hegemonia dos EUA e da OTAN. Para esses setores, a emergência de novos polos de poder representaria uma “solução” e até uma “salvação”. Dessa leitura deriva a expectativa ilusória de um “imperialismo benevolente”: elogiam a China e seus investimentos estrangeiros — empréstimos, créditos, projetos de infraestrutura — como se fossem gestos de auxílio aos povos; promovem a “Iniciativa Cinturão e Rota” como se constituísse um projeto emancipador; e, assim, distorcem a teoria do imperialismo enquanto reabilitam a prática imperialista chinesa sob um verniz progressista.

Essa perspectiva ressuscita, em nova embalagem, a versão mais degenerada da infame “Teoria dos Três Mundos”, segundo a qual o social-imperialismo soviético seria o principal inimigo, enquanto os demais imperialismos deveriam ser vistos como aliados potenciais ou como forças “neutralizáveis”. Tal teoria atribuía a certos países — independentemente de seus regimes serem progressistas ou reacionários — o papel de “principal força da revolução mundial”, contanto que reivindicassem independência nacional e soberania contra os EUA. É uma concepção profundamente perigosa, ideologicamente corruptora e politicamente perversa, porque dissolve o critério de classe e substitui o internacionalismo proletário por um cálculo geopolítico vazio.

Basta isso, por ora, pois a base dessa postura — elogiar a China apesar de seu caráter imperialista — já foi criticada em edições anteriores da revista “Teori ve Eylem” (Teoria e Prática)[20]. Aqui interessa situá-la dentro do quadro geral das posições que, de alguma forma, glorificam ou legitimam a expansão chinesa.

Assim como os defensores maoístas da “Teoria dos Três Mundos”, que elevaram seus elogios ao expansionismo chinês (e russo) a um nível teórico sob o pretexto de “enfraquecer os EUA e a OTAN”, alguns críticos que reconhecem a China como imperialista também acabam recaindo em uma postura semelhante. Enquanto certos partidos e grupos revisionistas antigos defendem abertamente a China — afirmando que ela é “socialista” —, outros, como o Partido Comunista da Grécia (KKE) e o Partido Comunista da Turquia (TKP), que por muitos anos compartilharam espaços internacionais com o Partido Comunista da China (PCCh) na plataforma dos “Encontros Internacionais de Partidos Comunistas e Operários” (EIPCO), deixaram de defender Pequim e passaram a classificá-la como imperialista. Contudo, na prática, assim como aqueles que dizem “não é problema nosso”, permanecem indiferentes diante da China e continuam a concentrar seus ataques apenas nos EUA, na OTAN e em sua agressão imperialista.

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À luz da definição de Lênin, é simplesmente inconcebível sustentar que o capitalismo chinês — dominado por monopólios que figuram entre os maiores do mundo, alicerçado por um capital financeiro de circulação planetária, marcado pela “união pessoal” entre bancos e indústria e, além disso, pela “união pessoal” entre o Estado e esses monopólios, especialmente no círculo dirigido por Xi Jinping — não seja imperialista. Sendo um capitalismo que prioriza a exportação de capital por meio de investimentos diretos, em carteira e em joint ventures, que concede centenas de bilhões de dólares em empréstimos e créditos, não há possibilidade de que ofereça qualquer benefício real aos povos do mundo.

Não existe imperialismo “benevolente”!


Notas de Rodapé

[1]. Lênin definiu o imperialismo como uma fase específica do desenvolvimento capitalista, marcada por características que — como salientado — a Rússia de hoje apresenta plenamente. Em suas palavras no livro “Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo” (1917): “O imperialismo é o capitalismo que atingiu um estágio de desenvolvimento em que o domínio dos monopólios e do capital financeiro se consolidou; em que a exportação de capital adquiriu importância primordial; em que começou a divisão do mundo entre trustes internacionais; e em que a divisão de todos os territórios do planeta entre as maiores potências capitalistas foi concluída.”

[2]. CENGIZ, A. “O espelho do imperialismo: o reflexo da Rússia”. Teori ve Eylem, n. 56, p. 35, 2022.

[3]. IRS, Y. “As relações econômicas entre a Turquia e a URSS”. Academia de Ciência e Iluminismo, 2021.

[4]. Nota explicativa: As negociações para o empréstimo foram conduzidas, em nome do Reino Unido, pelo Export Credit Guarantee Department.

[5]. YÜCEL, F. A história da industrialização da Turquia republicana. 1. ed. Ancara: TTGV, 2015. p. 37.

[6]. QASIMLI, citado em IRS, Y. op. cit.

[7]. EURO NEWS. “Reveladas as condições dos empréstimos concedidos pela China, o maior credor do mundo”. 2021.

[8]. EURO NEWS. “A dívida de 1,5 trilhão de dólares dos países do mundo com a China: quem deve quanto?”. 2020.

[9]. EURO NEWS. idem.

[10]. FINANCIAL TIMES. “China assina contrato de arrendamento de 99 anos do porto de Hambantota, no Sri Lanka”. 2017.

[11]. THE MARITIME EXECUTIVE. “Quênia busca gerar 10 bilhões de dólares arrendando cinco portos a investidores privados”. 2023.

[12]. DEUTSCHE WELLE (DW). “A participação controversa da China na mídia de radiodifusão da Zâmbia”. 2019.

[13]. STATISTA. “Valor das exportações de países selecionados”. 2022.

[14]. STATISTA. “Principais países exportadores do mundo”. 2023.

[15]. MACROTRENDS. “Produção industrial por países”. 2024.

[16]. NATIONAL ASSOCIATION OF MANUFACTURERS (NAM). “Fatos sobre a manufatura nos EUA – 2022”.

[17]. XINHUA. “Diplomacia Xi: longe na geografia, próximos no coração — a cooperação China–América Latina inicia nova jornada”. 2024 — A agência estatal chinesa admite abertamente que aquilo que a propaganda apresenta como “ajuda” é, na verdade, formulado como cooperação “ganha-ganha”, isto é, lucrativa tanto para os países dependentes quanto para a própria China.

[18]. UNCTAD. World Investment Report 2023. 2023.

[19]. Entre 2005 e 2013, o Bank of America adquiriu cerca de 10% das ações do Banco Industrial e Comercial da China (ICBC).

[20]. CENGIZ, A. “A interminável confusão nos debates sobre imperialismo”. Teori ve Eylem, n. 61, p. 84, 2023.