Processos de análise de um militante comunista — as etapas do método e do pensamento de Marx

Um olhar radical no método dialético marxista, explorando suas etapas mútuas como ferramentas para a análise revolucionária. Um guia conceitual e combativo da “dança da dialética” para militantes comunistas que buscam pensar o mundo para transformá-lo. Da teoria à prática, da totalidade à luta de classes.

Não há pensamento revolucionário sem método revolucionário. Toda crítica que não se interroga sobre os próprios meios com que pensa, que não examina as categorias com que apreende o real, está condenada a reproduzir o mundo tal como é — com sua miséria, sua alienação, sua exploração. Por isso, retornar ao método de Marx não é um exercício acadêmico: é uma necessidade urgente para quem deseja destruir o velho mundo e construir o novo. Mas o método de Marx não é uma fórmula, nem uma teologia, nem um catecismo. É, antes, um movimento vivo de pensamento que nasce da realidade concreta, nega suas formas fetichizadas, e retorna a ela para transformá-la.

Aqueles que tentaram resumir esse método em sistemas fechados (tese-síntese-antítese) acabaram por matá-lo. Mais grave ainda: aqueles que pretendem “superar Marx”, mas jamais penetraram no núcleo dinâmico de seu método, acabam apenas reproduzindo o senso comum com nova roupagem. A crítica radical do capital exige mais do que boa vontade ou intenções éticas; exige um pensamento que vá até a raiz. E a raiz, como dizia Marx, é o ser humano. Mas que ser humano? Não o sujeito abstrato do idealismo, mas o ser humano concreto, histórico, situado em relações sociais contraditórias. É aqui que começa a dialética materialista.

O método de Marx pode ser desdobrado, para fins de exposição — nunca como etapas isoladas, mas como momentos de um processo — em seis dimensões profundamente interligadas: ontologia, epistemologia, pesquisa, reconstrução teórica, exposição e prática. Cada uma dessas dimensões condensa uma tensão real entre o ser e o pensamento, entre o real concreto e o concreto pensado, entre a teoria e a ação. O erro de muitos críticos do marxismo é considerar essas etapas como operações técnicas, e não como expressões vivas em movimento mútuo contínuo.

A ontologia de Marx não é uma reflexão sobre o “ser” em geral. É uma ontologia materialista, histórica e relacional. Marx rompe com duas tradições fundamentais da filosofia ocidental: por um lado, a concepção atomista herdada de Descartes e levada ao extremo pela lógica analítica moderna, segundo a qual a realidade é composta de partes discretas, independentes e somáveis; por outro lado, a visão holística idealista de Hegel e dos estruturalistas, que submete as partes ao império de um Todo pré-constituído. Contra ambas, Marx estabelece uma concepção radicalmente nova: a totalidade concreta como um sistema de relações internas em permanente contradição e movimento.

O ser não é dado, não é fixo, não é imóvel. O ser, para o materialismo histórico, é relação, é processo, é contradição. A realidade material não pode ser entendida como uma coleção de coisas, nem como uma ideia que organiza as coisas. Ela deve ser compreendida como o conjunto das relações sociais historicamente constituídas, nas quais cada elemento só tem sentido e existência em sua relação com os demais. Não se trata, portanto, de negar as partes em nome do todo, nem de absolutizar o todo como uma abstração externa. Trata-se de compreender que o todo é a unidade contraditória das partes em relação recíproca, e que esta unidade é histórica, mutável, e só pode ser conhecida através da prática transformadora.

Esta ontologia da relação e da totalidade fundamenta, necessariamente, a epistemologia de Marx. Pois se o ser é relação, o conhecimento só pode ser também relacional. A verdade não é um reflexo estático, nem uma adequação entre sujeito e objeto, mas o desvelamento das mediações reais que estruturam o mundo. Conhecer é intervir. Pensar é lutar. E o pensamento que não se enraíza nas relações sociais concretas, que não atravessa a densidade do real histórico, não é pensamento revolucionário, é teologia.

Se a realidade é movimento, contradição e relação, o conhecimento verdadeiro não pode ser outra coisa senão o esforço prático de capturar esse movimento em suas determinações concretas. A epistemologia de Marx, longe de qualquer formalismo filosófico ou reducionismo cientificista, é inseparável do próprio processo histórico de luta das classes. Conhecer, para o pensamento revolucionário, não é contemplar: é penetrar nas formas mistificadas do mundo social, desmascarar suas aparências e revelar as estruturas que as sustentam — com o fim último de transformá-las.

Para compreendermos esse movimento do conhecer em Marx, é possível identificarmos quatro momentos indissociáveis que se entrelaçam dialeticamente: percepção, abstração, conceituação e orientação. Não se trata de uma sequência linear ou cronológica, mas de momentos simultâneos e mutuamente determinantes de um mesmo processo. O erro dos pensadores mecanicistas, inclusive entre alguns pretensos “marxistas”, é dissecá-los como se fossem compartimentos estanques. Mas o método dialético não admite tal dissecação morta: nele, a forma vive porque a contradição pulsa.

A percepção, para o materialismo histórico, não é uma simples impressão sensorial, nem uma recepção passiva do mundo externo. Ela é já, desde o início, uma atividade de totalização prática, em que sensações, experiências históricas, hábitos sociais e relações de classe se condensam. Quando um proletário vê uma máquina, ele não a vê como um engenheiro burguês. A percepção é determinada socialmente — e, por isso, já está atravessada pelas relações materiais do mundo.

Mas essa percepção não opera isoladamente: ela está imersa no processo de abstração, que é o primeiro salto do pensamento teórico. Abstrair não é “distanciar-se da realidade”, como crê o senso comum. É fatiar a totalidade concreta, destacar certos aspectos para compreendê-los mais profundamente e, ao fazê-lo, reconstruir a totalidade em outro plano, mais elevado. Toda abstração implica cortes, escolhas, determinações — e, por isso, toda abstração é também política. O que se destaca? O que se omite? Em nome de quê se realiza tal movimento? Estas são perguntas decisivas.

Dessa abstração brota a conceituação, que não é simples nomeação. Os conceitos em Marx não são rótulos imutáveis — são ferramentas teóricas vivas, moldadas pelas necessidades da análise e pelas particularidades do objeto. Um mesmo termo — “classe”, por exemplo — pode significar diferentes realidades conforme o nível de abstração, a época histórica, o escopo analítico. Quando Marx afirma que “a história de todas as sociedades é a história da luta de classes”, está manejando um conceito de “classe” enquanto categoria universal da história. Mas quando diz que “a burguesia cria o proletariado”, fala de “classe” enquanto categoria imanente à lógica do modo de produção capitalista. Ambas são verdadeiras — porque não se excluem, mas se referem a totalidades distintas. A chave é a dialética da abstração.

Por fim, temos o momento da orientação, que revela talvez o traço mais escandalosamente materialista da epistemologia marxista. Não há pensamento sem posição, não há teoria sem classe, não há conhecimento neutro. Marx não operava com valores morais absolutos, como faziam os socialistas utópicos, pois sabia que não existe uma “justiça” fora da história, nem um “bem” universal acima das relações sociais. Em vez disso, ele buscava compreender como as próprias formas de consciência — o que as pessoas creem, sentem, pensam como certo ou errado — nascem do solo concreto das relações de produção, das tradições culturais e das experiências práticas de cada classe social.

A verdade, portanto, não é um reflexo do mundo, mas uma arma na luta por sua superação. O pensamento revolucionário não procura o absoluto, mas o necessário: e o necessário é que os oprimidos compreendam o mundo a partir de sua própria posição, não para adaptarem-se a ele, mas para destruí-lo.

Abstrair, no método marxista, não é fugir do real — é enfrentá-lo com profundidade. Ao contrário do que pensam os empiristas, que confundem conhecimento com acúmulo de dados sensíveis, ou dos idealistas, que impõem ao mundo suas categorias apriorísticas, Marx compreende a abstração como um processo de mediação ativa entre o concreto vivido e o concreto pensado, uma reconstrução conceitual do real que jamais se separa de sua gênese histórica e de sua transformação possível.

Mas para entender o papel crucial da abstração, é preciso recusar as concepções vulgares que infestam a crítica contemporânea — inclusive as críticas ditas “de esquerda” ao marxismo. Boa parte desses críticos ignora o ponto essencial: os conceitos de Marx não são moldes rígidos aplicados a uma realidade morta, mas expressões flexíveis, históricas, mutáveis, das relações contraditórias que constituem a própria realidade social. Quem ignora essa dialética entre abstração e totalidade cai inevitavelmente em duas armadilhas: ou tenta fazer uma “ciência das partes”, como um taxidermista do capital; ou constrói totalidades abstratas e harmônicas, como um metafísico de salão.

Marx inverte esse jogo. Ele parte do concreto real — a confusão, a contradição, a multiplicidade viva da vida social — e, por meio da abstração, reconstrói esse concreto no pensamento. Esta reconstrução não é uma simplificação nem uma cópia. É uma ascensão — como dizia Hegel, e Marx radicalizou — do abstrato ao concreto, onde cada determinação é o resultado de uma crítica às aparências, de uma penetração no essencial.

O dilema entre partir do todo ou das partes é dissolvido quando compreendemos que as partes só têm sentido em suas relações internas, e que o todo só pode ser apreendido como unidade contraditória das partes em movimento. Aqui, a metáfora do artista que junta membros perfeitamente desenhados de corpos distintos — resultando num monstro, e não num ser humano — é iluminadora. É isso que fazem os pensadores burgueses: colam fragmentos, categorias isoladas, indicadores estatísticos, e dizem que isso é “a sociedade”. Mas não há totalidade sem unidade interna, e não há unidade sem contradição.

Contra essa monstruosidade analítica, o método revolucionário exige dois passos essenciais. Primeiro, abandonar a indução positivista que parte de dados inertes e adotar a dedução dialética, que parte das contradições reais. Segundo, considerar cada abstração como momento relacional — isto é, pensar cada parte como determinada pelas relações que estabelece com todas as outras. Não se trata de “encaixar” as partes num todo idealizado, como fazia Hegel. Em Marx, as abstrações não são moldadas para confirmar uma intuição primeira, mas para confrontá-la, superá-la, transformá-la. A abstração é, portanto, um processo de ruptura com o imediato — e, por isso mesmo, o primeiro passo da crítica radical.

Este método não tem fim. Ele é, como a realidade, um processo aberto. Cada nova aproximação do real exige uma nova abstração, uma nova síntese, um novo retorno ao concreto. E, acima de tudo, exige ser testado na prática. Como escreveu Marx, “o homem deve provar a verdade, isto é, a realidade e a força de seu pensamento, na prática.” Fora da prática, o pensamento é pura escolástica — brinquedo de acadêmico, fetiche de gabinete. No marxismo, pensar é lutar.

O segundo ponto decisivo no processo de abstração diz respeito aos limites e determinações das partes. Abstrações estáticas, desconectadas de sua história e das relações que as constituem, não explicam nada — apenas mistificam. Em Marx, cada conceito é um processo, uma síntese de passado, presente e futuro. Não há “mercadoria” em geral, há a mercadoria como forma social específica do capitalismo; não há “trabalho” em si, há o trabalho como relação contraditória entre capital e força de trabalho. Cada abstração só tem sentido quando pensada em seu lugar, em sua gênese, em sua articulação com o todo.

É por isso que, para o materialismo histórico, as relações sociais não são externas, mas internas aos fenômenos. Não se trata de somar fatores, mas de revelar as conexões invisíveis entre eles. O capital só pode ser compreendido como uma relação interna entre múltiplas determinações: valor, trabalho abstrato, mais-valia, propriedade privada, etc. Toda investigação que ignore essas interações internas está condenada à superfície — e à impotência.

A abstração marxista é, pois, um golpe contra o caos aparente do mundo burguês, uma tentativa heroica de recompor a totalidade viva a partir de suas contradições estruturais. Ela não busca “espelhar” o mundo, mas expô-lo para superá-lo. E isso só é possível porque a abstração, no método revolucionário, nunca é uma fuga do real — é seu desnudamento crítico.

É neste ponto da análise que a dialética se impõe como exigência da própria realidade. Se a vida social é feita de contradições em movimento, se as formas que observamos são aparências de uma essência historicamente determinada, então conhecer é penetrar o real com uma lógica que seja capaz de apreender esse movimento — e essa lógica só pode ser a dialética.

A lógica formal — que domina o pensamento burguês, a academia e o senso comum — se contenta em classificar: A é igual a A, ou A é diferente de B. Seu horizonte termina onde começa a contradição. Mas é justamente aí, onde a razão formal empaca e recua, que o pensamento revolucionário avança. Marx compreende que duas coisas podem ser diferentes e idênticas ao mesmo tempo, e que esta tensão não é um erro lógico, mas a própria forma de ser da realidade capitalista.

Tomemos o exemplo clássico: lucro, juros e renda. A lógica superficial os vê como formas distintas de rendimento. E, de fato, são. Mas Marx revela que essas formas distintas são, em essência, manifestações distintas da mesma substância social: a mais-valia extraída do trabalho explorado. Se nos limitássemos à diferença empírica entre essas categorias, jamais chegaríamos à unidade que as constitui. E, se parássemos na identidade abstrata, ignoraríamos suas formas concretas. Só a dialética permite ver na diferença a identidade, e na identidade, a diferença.

A segunda relação dialética fundamental é o entrelaçamento de opostos. A abstração nunca é neutra. Toda percepção carrega consigo um ponto de vista socialmente determinado. Um capitalista e um trabalhador observam a mesma máquina — mas não veem a mesma coisa. Para o primeiro, ela é um investimento, uma fonte de valorização. Para o segundo, é uma extensão alienada do corpo, à qual ele deve se submeter diariamente. Aqui, as perspectivas não apenas diferem: se opõem. E é essa oposição de pontos de vista que revela as estruturas de classe inscritas na própria materialidade dos objetos. Ver é já lutar. Perceber é já tomar partido.

A terceira relação é aquela entre quantidade e qualidade. Um dos erros clássicos do pensamento metafísico é considerar que uma coisa permanece a mesma enquanto acumula mudanças quantitativas. Mas a dialética ensina que toda acumulação tem um limiar, e que, ao ultrapassá-lo, a quantidade se converte em qualidade nova. O dinheiro, por exemplo, só se torna capital quando acumula e se converte em relação social de exploração. A água, ao ser aquecida, não continua “a mesma” indefinidamente — a certa altura, ferve. A transformação qualitativa é o salto do novo, o momento de ruptura, a negação determinada que inaugura outro patamar do ser.

Mas entre todas as relações dialéticas, a contradição é a mais central e vital. Ela é o coração do método marxista. Contradição não é erro, não é falha, não é desordem: é a unidade tensional de opostos interdependentes. Capital e trabalho não existem um sem o outro — mas se negam mutuamente. São partes de um mesmo sistema, mas esse sistema é cindido por sua luta. As condições que os tornam interdependentes são as mesmas que os colocam em guerra.

E essa guerra, essa contradição, não é apenas um fato social — é o motor da história. O capitalismo não entra em crise por fatores externos, mas por suas contradições internas: a produção cresce, mas o poder de compra cai; o valor se acumula, mas o trabalho se desvaloriza; a riqueza se concentra, mas a pobreza se generaliza. A contradição entre forças produtivas e relações de produção é o princípio ativo que conduz o sistema ao seu colapso. E é nesse colapso que a possibilidade do novo se abre — não como esperança, mas como necessidade histórica.

A lógica formal só reconhece contradições no plano das ideias. A dialética marxista, por sua vez, afirma que a contradição é constitutiva da própria realidade. E por isso, onde o pensamento burguês vê paradoxo, o comunista vê processo. Onde o liberal vê crise, nós vemos a oportunidade revolucionária. Onde os filósofos “interpretam o mundo de diferentes maneiras”, nós nos preparamos para mudá-lo — porque conhecê-lo é, já, começar a transformá-lo.

O pensamento burguês costuma tropeçar em duas formas de cegueira: ou se perde em minúcias empíricas, incapaz de ver o todo, ou se refugia em generalizações vazias, que ignoram a concretude da vida social. Em ambos os casos, a realidade é desfigurada. O método marxista, ao contrário, exige uma operação crítica rigorosa: delimitar conscientemente o escopo da análise, estabelecer seu nível de generalidade e situar o ponto de vista a partir do qual se observa o processo. Sem esses três momentos articulados, o pensamento se torna refém da aparência, do fragmento ou da abstração estéril.

O escopo é o campo delimitado no qual um processo ou objeto pode ser apreendido com clareza suficiente para a crítica e para a ação. A realidade social é totalidade em movimento: tudo se relaciona, tudo se transforma. Mas disso não decorre o niilismo agnóstico de certas modas idealistas ou pseudocientíficas — como aquelas que, inspiradas em distorções da teoria do caos, proclamam que “qualquer coisa muda tudo” e, portanto, “nada pode ser conhecido com certeza”. Isso é puro obscurantismo disfarçado de sofisticação. O marxismo não exige saber tudo para saber algo. Ele exige determinar o essencial, aquilo que estrutura o fenômeno, sua forma dominante de determinação, sua lógica interna. Assim como se pode prever uma tempestade sem saber o movimento de todas as borboletas do mundo, pode-se compreender o movimento do capital sem conhecer cada gesto individual de cada capitalista.

Mas essa compreensão exige que situemos o objeto dentro de um nível determinado de generalidade. Marx, em sua obra, operou com pelo menos sete níveis distintos. No nível mais imediato, temos a vida do indivíduo concreto: suas necessidades, experiências e trajetórias. Acima dele, está o nível do capitalismo moderno, com suas formas históricas específicas das últimas décadas de sua época — aqui as profissões ganham contornos, as relações assalariadas se complexificam, e o sujeito social começa a desaparecer. No nível seguinte, o capitalismo em geral, como modo de produção estruturado ao longo de cerca de quatro séculos, revela classes, relações de exploração e leis tendenciais. Acima disso, vêm os níveis da história das sociedades de classe, da história universal da humanidade, do reino animal e, por fim, das categorias naturais e materiais (massa, comprimento, tempo, etc.).

Cada nível não anula o outro: são formas simultâneas, sobrepostas, de inteligibilidade do real. Um mesmo conceito pode ter sentidos distintos em níveis diferentes — e todos podem ser verdadeiros, se bem situados. Mas para a prática — isto é, para a luta revolucionária concreta — é preciso operar no nível adequado. Pensar a mais-valia num nível biológico é absurdo. Mas pensar o trabalho alienado num nível estritamente individual é igualmente inócuo. A consciência revolucionária exige mover-se com destreza entre os níveis de generalidade, articulando o singular e o universal, o imediato e o histórico.

Por fim, há o posicionamento: de onde se observa? Com que interesses? Em nome de que classe se pensa? O processo de produção, por exemplo, aparece de modo inteiramente distinto para o capitalista e para o operário. Para o primeiro, trata-se de investimento, concorrência, rentabilidade. Para o segundo, de tempo de vida arrancado, cansaço, alienação. As ideologias que decorrem dessas posições não são meras “opiniões” divergentes — são formas socialmente determinadas de apreender a realidade a partir do lugar que se ocupa na estrutura social. Toda análise é situada — e só a consciência disso impede a mistificação.

Marx jamais tratou a ideologia burguesa como um erro arbitrário. Seu erro não está na falsidade pura, mas na incompletude sistêmica: ela vê o mundo apenas sob o prisma da classe dominante, e por isso confunde interesse com verdade. O método comunista, ao contrário, não nega a parcialidade — ele a assume conscientemente, como posição de classe do proletariado contra a burguesia. É a partir dessa posição que se constrói um conhecimento totalizante, não porque vê “de fora”, mas porque vê desde dentro da contradição, desde o ponto de vista da superação da ordem vigente.

Escopo, generalidade e posicionamento: três armas para organizar o pensamento como prática revolucionária. Não há neutralidade no conhecimento. A verdade é sempre uma tomada de partido.

Nenhum conhecimento vale para o marxismo se não for também um roteiro de ação. O pensamento não é um espelho do mundo, mas uma ferramenta forjada na luta para transformá-lo. Por isso, Marx jamais concebeu a história como uma sequência morta de fatos, nem como um passado fossilizado a ser narrado por eruditos. O processo histórico, para ele, é uma totalidade viva — uma cadeia dialética de contradições que se estende do passado ao futuro, passando pelo presente como ponto de tensão máxima.

O ponto de partida é sempre o agora — as relações sociais concretas, as formas institucionais vigentes, os conflitos de classe visíveis e invisíveis. A investigação marxista parte do presente para reconstruir o caminho do passado, rastreando as pré-condições históricas que engendraram as estruturas atuais. Mas essa relação entre pré-condição e resultado não é linear, tampouco hierárquica. O que hoje é efeito, ontem foi causa; o que hoje é fundamento, amanhã pode ser superado. A dialética histórica não obedece à cronologia mecânica dos manuais, mas sim ao movimento real das contradições.

Tomemos o exemplo do trabalho assalariado. Ele é, ao mesmo tempo, resultado do capital e sua condição de existência. Sem trabalho assalariado, não há mais-valia; sem mais-valia, não há capital. Essa relação circular, contraditória, não pode ser apreendida por um pensamento linear. Ela exige um pensamento que vá e volte, que reconstrua o caminho do passado à luz do presente e projete, a partir disso, as possibilidades do futuro. E é exatamente isso que Marx faz: parte do capitalismo moderno, regressa à gênese do capital, atravessa a história das formações sociais e retorna — agora munido de uma compreensão histórica total — para antecipar as formas possíveis de superação do sistema.

Mas não se trata de futurologia. Marx não profetiza — projeta possibilidades concretas a partir das contradições reais do presente. O conhecimento das tendências históricas não é um exercício de contemplação, mas um ato de preparação estratégica. Ao antecipar os estágios do comunismo — do primeiro momento ainda marcado pela herança do velho mundo, ao segundo estágio de distribuição segundo as necessidades — Marx não descreve um paraíso distante, mas traça um programa revolucionário realista, ancorado na luta de classes em curso.

Este é o ponto em que o método se funde com a prática. Não basta conhecer: é preciso agir. O conhecimento, para o marxismo, só se verifica na prática transformadora. É na ação política, na luta cotidiana, na organização das massas, na intervenção nos aparelhos do Estado burguês, que se testa a validade do pensamento. Marx não era apenas um teórico, mas um militante — e sua filosofia não se destinava aos salões acadêmicos, mas às barricadas da história.

Após a abstração, vem a pesquisa rigorosa, em que Marx se entrega ao estudo minucioso da realidade: economia, política, história, antropologia, tudo é convocado. Após isso, realiza a reconstrução teórica, onde as determinações descobertas são reunidas numa totalidade coerente. Só então vem a exposição, e aqui Marx revela seu compromisso com o povo: escreve com clareza, sem jargões inúteis, buscando tornar acessível o complexo — porque só a verdade compreendida pode mover as massas.

Por fim, a teoria volta ao mundo sob forma de prática revolucionária. É nesse retorno ao real — agora não mais apenas como objeto de análise, mas como campo de ação — que o método se completa. E reinicia. Porque a prática é, ela mesma, criadora de novas determinações, novos problemas, novas verdades a serem conquistadas.

O domínio do método marxista, portanto, não é um luxo intelectual — é uma necessidade estratégica. Frente à propaganda anticomunista, ao revisionismo covarde e às modas acadêmicas estéreis, cabe aos comunistas reaprender, reaplicar e recriar o método de Marx. Não para venerá-lo, mas para armá-lo. Para tornar cada conceito uma bala, cada análise um fuzil, cada página uma barricada.

Porque, como Marx escreveu com o peso de uma sentença: “Os filósofos apenas interpretaram o mundo de maneiras diferentes. O que importa é transformá-lo.”