Ahmet Yaşaroğlu: Duas manchetes e um trabalho sujo

Ahmet Yaşaroğlu

Jornal Evrensel

No dia 16 de junho, dois jornais turcos estamparam manchetes que merecem ser analisadas cuidadosamente: um pertence ao Yeni Şafak e a outra ao Cumhuriyet. A frase que melhor sintetiza o espírito por trás dessas manchetes vem do chanceler alemão Merz: “Este é um trabalho sujo feito por Israel, por todos nós”. Vamos aos detalhes.

A manchete do Yeni Şafak estampava: “Israel e Irã em Chamas”, enquanto a do Cumhuriyet trazia: “O Alvo é o Regime”. A manchete do Yeni Şafak transbordava uma alegria mal disfarçada. Afinal, o Estado judeu de Israel e o regime xiita dos mulás estão em confronto aberto, atacando-se mutuamente. Este é o ponto a que o sectarismo religioso levou o Yeni Şafak: observar com satisfação mórbida o bombardeio do Irã, realizado pelo posto avançado do imperialismo estadunidense na região — o regime sionista — como se fosse um espetáculo de entretenimento. Para eles, o Irã, enquanto centro do chamado “Crescente Xiita”, merece ser reduzido a escombros, e sua destruição deve ser assistida com prazer.

Por sua vez, o Cumhuriyet, ao estampar “O Alvo é o Regime”, deu centralidade às declarações da liderança sionista de Israel. O jornal apontava para o caráter religioso e reacionário do regime iraniano, informando ao seu público que o alvo direto dos ataques seriam os mulás no poder. Lendo a manchete, alguém desavisado poderia até acreditar que o sionismo teocrático de Israel — o braço armado do imperialismo estadunidense no Oriente Médio — estaria prestes a levar liberdade, democracia e laicidade ao povo iraniano!

Aos que dirigem o jornal Cumhuriyet, caberia lembrar algumas verdades históricas: que o regime do xá do Irã e sua polícia secreta, a SAVAK, foram verdadeiros carrascos do povo iraniano; que assassinaram milhares de iranianos que lutavam por liberdade, democracia e independência; que, durante as guerras árabe-israelenses, o Irã do xá foi um aliado incondicional de Israel, apoiando-o abertamente; e que o programa nuclear iraniano da época foi financiado e apoiado pelos Estados Unidos e pelo Ocidente imperialista, com o pretexto de combater a suposta “ameaça da expansão comunista”. Ignorar esses fatos é falsear a história.

Apesar das motivações diferentes por trás dessas duas manchetes, ambas convergem em um ponto essencial: o desejo de ver a derrubada do regime islâmico iraniano. No entanto, é o chanceler alemão Merz quem, sem rodeios, nos lembra o que de fato está acontecendo. Disse ele: “Este é um trabalho sujo que Israel fez por todos nós. Nós também somos vítimas desse regime. Este regime dos mulás trouxe morte e destruição ao mundo”.

Mas cabe a pergunta fundamental: quem trouxe, de fato, morte e destruição ao Oriente Médio? Teriam sido os mulás os responsáveis pela devastação do Iraque, da Síria, da Líbia? Durante longos anos, o Iraque de Saddam Hussein, com o beneplácito dos Estados Unidos e do Ocidente, travou uma guerra feroz contra o Irã. Mas os mulás nunca tiveram forças para derrubar Saddam. Quem destruiu o Iraque, quem o ocupou e massacrou centenas de milhares de iraquianos e dezenas de milhares de curdos, foi o imperialismo estadunidense.

O destino que se abateu sobre a Síria e a Líbia também é de amplo conhecimento de todos. E, se por acaso tudo isso foi esquecido, ainda temos diante de nossos olhos o genocídio em curso em Gaza, onde o sionismo israelense, com apoio silencioso e cúmplice das potências ocidentais, continua a derramar sangue e espalhar a morte.

Enquanto Merz profere tais palavras, Emmanuel Macron, outro defensor dos interesses imperialistas, declara: “Uma intervenção militar contra o regime seria um grande erro. [...] Alguém, hoje, considera que o que foi feito no Iraque em 2003 foi uma boa ideia? [...] Ou que o que foi feito na Líbia foi uma boa ideia? Não”. Contudo, parece que Macron convenientemente esqueceu que os primeiros bombardeios contra a Líbia foram lançados por aviões franceses. Esqueceu também os crimes cometidos pelo colonialismo francês na África. E, hoje, tentam nos fazer acreditar que a intervenção militar israelense contra o Irã “não é uma intervenção militar”. As funções nefastas desempenhadas pelo Reino Unido na região também são bem conhecidas. Por sua vez, os países do G7, em sua última reunião, mais uma vez reafirmaram a velha máxima imperialista: “Israel tem o direito de se defender”, ou seja, decidiram seguir apoiando os “trabalhos sujos”.

Chegamos assim ao núcleo da questão: o Irã não foi o responsável por esta guerra. O país atacado é o Irã. Contra um Estado que possui dezenas de ogivas nucleares — Israel —, o direito de defesa do Irã é legítimo e inquestionável. O fato de o Irã ser governado por um regime teocrático não pode, sob nenhuma perspectiva, ser utilizado como pretexto para justificar esta agressão imperialista. A questão central não é o caráter interno do regime iraniano, mas sim o fato de que o Irã, com todos os seus limites e contradições, opõe-se aos planos do imperialismo estadunidense e das potências ocidentais no Oriente Médio. Se o Irã tivesse se curvado e aceitado tornar-se um fantoche imperialista, como fora o xá no passado, o seu programa nuclear jamais seria tratado como problema.

Quanto ao regime dos mulás, é evidente que a derrubada desse governo reacionário é um direito e um dever do próprio povo iraniano, assim como cada povo tem o direito de derrotar seus próprios exploradores e tiranos. Nos últimos anos, tanto o movimento operário quanto as lutas das mulheres e da juventude no Irã vêm crescendo em força e organização. Eles já anunciaram ao mundo, através de suas mais recentes declarações, que resistirão tanto à destruição causada pela guerra e pela intervenção imperialista quanto à ditadura teocrática interna. O povo iraniano, com sua profunda cultura e sua tradição de luta, saberá combater o inimigo interno sem cair no erro de apoiar o inimigo externo. Saberá não fortalecer os mulás, mas também não se ajoelhar diante do imperialismo, trilhando um caminho independente, democrático, laico e igualitário.

Nem o sectarismo religioso, nem a propaganda governamental baseada no medo — com a falácia de que “logo será a nossa vez” —, tampouco o “laicismo” pró-imperialista que deposita esperanças nas intervenções ocidentais conseguirão impedir que os povos da região desenvolvam sua luta conjunta contra a intervenção imperialista e as destruições por ela causadas.

A mais recente ofensiva imperialista e sionista, apoiada por seus aliados, abriu ainda mais os olhos dos povos do Oriente Médio. Mais cedo ou mais tarde, todos compreenderão que o futuro só poderá ser construído pela luta comum dos povos, unidos contra o imperialismo, o sionismo e seus lacaios locais.