Nuray Sancar: De que lado estar nesta guerra?

Nuray Sancar

Jornal Evrensel

Uma das guerras mais significativas dos anos 2000 foi travada, sobretudo, no campo da deformação ideológica e psicológica das massas. No início do novo milênio, enquanto os Estados Unidos invadiam o Afeganistão e o Iraque, esforçavam-se por convencer o mundo de que realizavam uma “intervenção justa” contra as ditaduras do Talibã e de Saddam Hussein, promovendo, para isso, a famigerada doutrina da “guerra preventiva”. Os frutos ideológicos dessa doutrina não foram colhidos imediatamente, mas, ao longo do tempo, germinaram em amplas camadas da opinião pública mundial.

Enquanto o maior poder hegemônico do planeta tentava subjugar o mundo com sua tecnologia militar avançada, suas redes globais de inteligência e seu colossal aparato de propaganda, também impunha à consciência popular uma falsa escolha, forçando cada indivíduo comum a tomar partido entre as opções cuidadosamente estruturadas pela máquina imperialista. Quem não apoiasse as agressões imperialistas disfarçadas de missões civilizatórias era imediatamente rotulado: se não estivesse do lado da “democracia” (segundo os critérios de Washington), era tachado de fundamentalista islâmico, defensor de ditaduras ou apologista de golpes militares. Esses rótulos eram adaptáveis às condições específicas de cada país. O novo arranjo da ordem mundial passou a ser construído sobre os dilemas fabricados por Washington, ancorados no esvaziamento das lutas populares e no enfraquecimento organizativo da classe trabalhadora mundial.

Quando Israel deu início ao genocídio em Gaza, a propaganda norte-americana, que já havia há muito esvaziado o conteúdo das noções de laicidade e democracia, conseguiu transformar o regime sionista, ele próprio teocrático e racista, em símbolo de “valores democráticos” no imaginário de muitos. Na Turquia, por exemplo, conseguiu-se, por meio dessa manipulação, justificar a intervenção de um outro poder teocrático — o sionismo israelense — contra o Hamas, caracterizando-o como mera organização “fundamentalista islâmica”. Durante muito tempo, o povo palestino foi privado de qualquer apoio real.

Agora, com o início dos ataques israelenses ao Irã, os mesmos sintomas ideológicos voltam a se manifestar. O regime reacionário dos mulás, conhecido por oprimir seu próprio povo, por executar opositores sem hesitação e que recentemente enfrentou grandes protestos com a resistência das mulheres e das greves operárias, novamente se torna o alvo. Não é a primeira vez que o povo iraniano enfrenta seu governo em lutas populares. No entanto, em 46 anos de existência, este sistema calcificado não foi derrubado apenas por essas lutas internas. E agora, enquanto Israel, respaldado pelos Estados Unidos, dispara seus mísseis contra o Irã, surgem novamente na Turquia, como ocorreu durante os ataques a Gaza, aqueles que aplaudem Israel e repetem velhos refrões.

O que se impõe ao Irã, como bem revelou o chanceler alemão Merz com sua declaração cínica de que Israel está fazendo o trabalho sujo por todos nós, é ser convertido em mais uma peça da engrenagem da reconfiguração imperialista do Oriente Médio. Essa coligação de potências exploradoras que saudou a ascensão de um carniceiro sectário na Síria, que declarou querer transformar Gaza numa nova Riviera enquanto vídeos promissores de rios de dinheiro eram exibidos, tem agora o mesmo objetivo em relação ao Irã. O que realmente incomoda os EUA e Israel não é o regime dos mulás em si, mas sim o posicionamento geoestratégico do Irã no Oriente Médio, suas relações com a Rússia e a China, e o fato de Teerã não integrar o mesmo campo político e militar que o imperialismo ocidental.

Além disso, tanto os EUA quanto Israel não temem os povos, nem as classes trabalhadoras, enfraquecidas por anos de repressão e desmobilização. O sistema imperialista, que antes precisava equilibrar-se sobre a contradição entre capital e trabalho, agora disfarça suas próprias contradições internas através de políticas de identidade, obscurecendo as linhas de classe, e cobre parcialmente seus conflitos interestatais com um discurso cínico sobre religião e civilização. Exige da população mundial, em cada novo conflito, que tome o partido do agressor, apresentando a guerra como se fosse um espetáculo de cinematográfico, onde mísseis e mísseis antiaéreos cruzam os céus em transmissões televisivas com gráficos e estatísticas de “eficiência de impacto”. O bem contra o mal! Os mocinhos atrás dos bandidos!

Contudo, Trump e Netanyahu sabem muito bem que a realidade não é essa. Buscando dividir o Irã, fazem promessas às camadas sociais que o Estado iraniano não conseguiu subjugar. Assim como na Síria, rasgam as costuras forçadas do totalitarismo clerical iraniano, dirigindo a essas fissuras suas promessas e chantagens. Trump não hesitou em conclamar o povo iraniano a se rebelar contra o regime dos aiatolás, tampouco deixou de utilizar o PJAK — organização curda armada — como peça de manobra sob a proteção de Israel para explorar as contradições internas do Estado iraniano. O Azerbaijão, com suas relações próximas com Israel, pediu apenas que sua cidade irmã, Tabriz, fosse poupada dos bombardeios, demonstrando, na prática, que com o ataque em si não tem qualquer problema.

Historicamente, os povos organizados nunca encontraram sua libertação nem na defesa de regimes apodrecidos, nem no apoio ao invasor. O atual equilíbrio de forças apagou da memória coletiva muitas experiências, fazendo com que pareça um conto de fadas a ideia de que um povo possa lutar simultaneamente contra a ditadura interna e contra a agressão imperialista externa. Alguns, resignados à inevitabilidade da situação, esperam que seu próprio Estado conquiste ao menos um pedaço no festim da partilha imperialista, aceitando com naturalidade seu papel como soldados prontos a morrer pela burguesia local.

Infelizmente, é assim que funciona a mente colonizada pelo imperialismo: entre as opções impostas, ela não valoriza a força e a resistência do próprio povo iraniano, tampouco reconhece a possibilidade da união livre dos oprimidos, preferindo colocar sua esperança em ser apenas mais uma peça na disputa pelo mercado mundial.