De um papa a outro à gerir a crise de um bastião da contrarrevolução


Este artigo, publicado pela Plataforma Comunista da Itália, organização membro da CIPOML, denuncia o Vaticano como um bastião histórico da contrarrevolução, hoje em crise terminal. Analisa criticamente os doze anos do pontificado de Bergoglio, seu fracasso em reformar a Igreja e a eleição de Prevost (Leão XIV) como tentativa de contenção do colapso. Rejeita o falso progressismo papal e afirma que o futuro pertence não ao cristianismo, mas ao socialismo.

Bergoglio, soberano absoluto do pequeno Estado do Vaticano — que ainda exerce uma forte influência ideológica e diplomática — faleceu no dia seguinte à Páscoa cristã, em pleno jubileu.

Seu falecimento deu início a uma enxurrada sem precedentes de hipocrisia, acompanhada de uma tentativa cínica de obscurecer e deslegitimar o 25 de Abril[1], impondo cinco dias de luto nacional.

O jesuíta de passado nebuloso na Argentina foi eleito papa em março de 2013, após a renúncia do frágil Ratzinger. Sua eleição visava enfrentar a profunda crise de um Vaticano e de uma Igreja Católica ingovernáveis, abalados por escândalos, corrupção, crimes sexuais, vazamentos de documentos sigilosos, sérios problemas financeiros e intensas disputas internas.

Qual é o balanço dos seus doze anos de pontificado, do seu “Buonasera” inicial ao encontro com James David Vance?

O objetivo declarado era salvar a embarcação de uma instituição reacionária que afundava por todos os lados, reconquistando sua base social.

Num primeiro momento, o chamado “efeito Bergoglio” — com sua teologia populista, gestos fora do protocolo, notável capacidade de comunicação e posturas inéditas sobre migrantes, recusa em excomungar casais divorciados e homossexuais, denúncias da violência sexual contra menores e atenção à crise ecológica — obteve certo êxito.

Conseguiu abalar a auto referencialidade da cúpula vaticana[2], projetando a imagem de um papa “próximo do povo” e angariando a antipatia das correntes mais reacionárias.

Mas, a longo prazo?

A reevangelização das periferias geográficas e sociais, dos pobres e dos marginalizados — sem os quais a Igreja sequer existiria — não avançou, especialmente na Europa.

O diálogo inter-religioso, apesar dos encontros em alto nível, não teve continuidade concreta.

Nos países de capitalismo avançado, as ordens religiosas encontram-se dizimadas pela escassez de vocações, pela redução constante no número de seminaristas, religiosos professos e sacerdotes — ao mesmo tempo em que o número de bispos aumentou. Casamentos religiosos e batismos estão em queda permanente.

A questão dos direitos reprodutivos das mulheres, particularmente no que tange ao aborto, escancarou os limites intransponíveis do suposto progressismo de Bergoglio.

Não houve qualquer reconciliação com a ciência moderna, e o ensino católico tornou-se ainda mais retrógrado e restaurador.

O autoproclamado herdeiro de Francisco de Assis permaneceu, essencialmente, isolado no cenário internacional. Em tempos de guerra, seus apelos pela paz revelaram-se inócuos. Os conflitos com a política de Trump o colocaram em posição defensiva.

Apesar do “saneamento” e das reformas na cúria romana, os balanços financeiros do Vaticano permaneceram no vermelho púrpura[3], com um déficit de aproximadamente 90 milhões de euros (dos quais 14 milhões de dólares teriam sido doados por Trump na véspera do conclave).

A Igreja Católica permanece combalida e cindida internamente.

Aos que enxergaram em Bergoglio um “socialista”, é necessário recordar que esse papa se limitou a denunciar algumas chagas da sociedade atual, sem jamais questionar o sistema capitalista que as engendra — sistema este que o Vaticano e a Igreja defendem ardorosamente, em nome da sacralidade da propriedade privada e do lucro burguês, ambos abençoados por toda a clerezia.

Agora, o conclave elegeu um cardeal ianque como novo papa: Prevost. Trata-se de um conservador agostiniano, escolhido transversalmente como uma figura de mediação entre correntes e organizações clericais antagônicas (integralistas, modernistas e centristas), com o objetivo de preservar a aparência de unidade e manter a coesão da base católica — sem a qual o aparato, já profundamente fraturado, se desintegraria ainda mais.

Graças às suas origens e ao apoio dos cardeais estadunidenses, buscará influenciar a política de Trump com posturas menos hostis. Ao mesmo tempo, assegura o financiamento das dioceses mais ricas do mundo, pulmão financeiro indispensável ao Vaticano.

A longa atuação de Prevost no Peru servirá para manter o apoio no subcontinente sul-americano, que é a reserva estratégica do Vaticano (com 27% de todos os católicos do planeta), hoje ameaçada pelos evangelistas, que pregam a teologia da prosperidade em oposição à teologia do assistencialismo[4].

Prevost adotou o nome de Leão XIV: uma referência evidente ao papa da encíclica Rerum Novarum[5], bem como ao objetivo de manter a influência do catolicismo sobre os trabalhadores e os sindicatos — em contraposição ao avanço do “movimento real que abole o estado atual de coisas”[6], de raiz marxista, que se reergue e se desenvolve em muitos países do mundo.

A eleição de Prevost constitui uma manobra política de sobrevivência, que não resolverá a crise da Igreja Católica.

Não poderia fazê-lo, pois essa potência reacionária se encontra historicamente em posição defensiva e em declínio, após os golpes desferidos, primeiramente pela Revolução Francesa e, posteriormente, pela Grande Revolução Socialista de Outubro de 1917.

Mesmo após a derrota temporária do socialismo, a Igreja não conseguiu recuperar-se, pois as condições econômicas de sua hegemonia se esgotaram e ela se vê constantemente acuada pela iniciativa dos seus adversários. Já não pode ser a força ideológica dominante — é uma força secundária. E não pode se renovar sem provocar ainda mais cismas internos. Está, portanto, condenada a perder terreno e a sofrer crescentes influências seculares externas.

Continuará servindo de muleta à burguesia em estado terminal — que dela necessita “assim como uma bengala sustenta um inválido”[7] (Gramsci). Seguirá obtendo, através de concordatas, privilégios, reconhecimentos e financiamentos (bancados pelos trabalhadores). Tentará impor seus objetivos ideológicos e econômicos, interferirá na vida política sem jamais se comprometer seriamente com os princípios sociais que proclama em palavras — mas que jamais serão implementados pelas hierarquias católicas e pela burguesia, que instrumentalizam sindicatos e associações de massa católicas contra o desenvolvimento do movimento proletário antagônico.

O futuro não pertence ao catolicismo, mas ao socialismo proletário, dotado de universalidade e de um caráter integralmente libertador para a humanidade, por ser uma exigência colocada pelo próprio desenvolvimento histórico.

Cabe, portanto, aos comunistas, levar adiante a crítica radical ao catolicismo nos planos ideológico e político, enfraquecer e combater a nefasta influência da Igreja e de sua ideologia religiosa alienante e narcotizante no seio do movimento operário e popular — enquanto se preparam os próximos “assaltos ao céu”[8].

O partido comunista do proletariado, pelo qual lutamos, cumpre também esse papel: elevar o nível de consciência e cultura do proletariado, tornando-o ideologicamente avançado e coeso.


[1]. 25 de Abril – Refere-se à Revolução dos Cravos (Portugal, 1974), uma insurreição militar que derrubou a ditadura fascista do Estado Novo. Tornou-se símbolo da luta popular por democracia e direitos sociais. Tentativas de deslegitimar essa data expressam o reacionarismo das classes dominantes.

[2]. Cúpula Vaticana – Refere-se ao núcleo dirigente da Igreja Católica, especialmente à Cúria Romana e ao Colégio de Cardeais, que concentram o poder institucional e ideológico do Vaticano.

[3]. “Vermelho púrpura” – Expressão simbólica: o “vermelho” refere-se ao déficit financeiro, enquanto “púrpura” remete à cor litúrgica dos cardeais, fundindo crise econômica e decadência institucional.

[4]. Teologia da Prosperidade vs. Teologia do Assistencialismo – A primeira, típica de seitas evangélicas ligadas à direita, prega o enriquecimento como sinal da “graça divina”. A segunda, tradicional na Igreja Católica, adota um discurso de caridade e ajuda aos pobres sem alterar as estruturas de exploração — ambas ideologias conciliadoras do capital.

[5]. Rerum Novarum – Encíclica publicada em 1891 pelo papa Leão XIII. Marca a tentativa da Igreja de responder à “questão social” sob a ótica da doutrina social cristã, opondo-se ao socialismo e defendendo a propriedade privada, mas propondo limites à exploração capitalista — uma espécie de resposta reacionária e ideológica ao avanço da luta de classes no século 19.

[6]. “Movimento real que abole o estado atual de coisas” – Citação extraída das “Teses sobre Feuerbach” (1845) de Karl Marx. Define o comunismo não como uma utopia ideal, mas como um movimento histórico concreto que emerge das contradições do próprio capitalismo.

[7]. “Assim como uma bengala sustenta um inválido” – Referência direta aos “Cadernos do Cárcere” (1926-1937), em que Antonio Gramsci analisa o papel das instituições ideológicas na sustentação do poder burguês, mesmo em crise. A Igreja é vista como um aparato auxiliar de dominação ideológica.

[8]. “Assaltos ao céu” – Referência metafórica a um trecho do prefácio de Marx à edição alemã de “O Capital” (1872), no qual se exalta a Comuna de Paris por ter ousado "tomar os céus de assalto". Expressa a ofensiva revolucionária do proletariado contra o poder da burguesia e suas instituições.