Os erros do camarada Ludo Martens sobre a luta ideológica entre Enver Hoxha e Mao Zedong
MARXISMO-LENINISMO • A relação histórica entre China
Popular e a Albânia Socialista formaram parte da história do movimento
comunista internacional entre os anos 1960 e 1980. A ruptura sino-albanesa em
julho de 1978 ainda constitui um pedaço da história que levou inúmeros partidos
comunistas marxista-leninistas a uma série de polêmicas ideológicas sobre qual
tendência dentro do movimento estava seguindo uma linha justa, com uma tática
revolucionária e firmeza de princípios.
O
camarada Ludo Martens não ficou de fora deste debate. De fato, ele se aventurou
nesse paradigma da história da mesma forma que tantos outros partidos e
autores, foi ele a figura que buscou olhar para esse fenômeno na Bélgica e
estabelecer uma linha política para si e seu partido, o Partido dos
Trabalhadores da Bélgica (PTB). É necessário pontuar, antes de tudo, que o
camarada Ludo Martens tem grandes contribuições ao marxismo-leninismo, principalmente
sua obra histórica Stálin, Um Novo Olhar. Ele revela
uma importante recuperação histórica dos méritos da vida e obra do camarada
Josef Stálin. Além de suas demais obras, é um membro valioso do movimento comunista
internacional e tem papel singular em nossa historiografia em defesa do que foi
a experiência mais acertada da humanidade, o governo soviético com o camarada
Stálin à frente.
Sua
prematura morte em 2011 constitui uma perda imensa para todos os povos que
lutam pela libertação das correntes do capitalismo, do colonialismo e do
imperialismo. Jamais podemos esquecer os méritos e virtudes do camarada Ludo
Martens, na luta pela reconstituição de uma tendência revolucionária no mundo,
em meio a uma época de grandes vicissitudes e derrotas para o movimento
operário internacional, isto é, a dissolução da União Soviética e de todo o
Bloco Leste em 1991. Junto a isso, uma seguinte onda anticomunista que atingiu
todo o planeta, da qual representou uma catástrofe humana que ainda hoje ceifa
milhares de vidas de trabalhadoras e trabalhadores através da fome, desemprego,
miséria, depressão, suicídio e pobreza generalizada em todos os países
oprimidos. Nesta época o camarada Ludo Martens ainda manteve bem alta a
bandeira da revolução, do marxismo-leninismo e da luta anticolonial; esses são
méritos que nenhuma ofensa, artigo e crítica podem negar dessa figura imprescindível
para o nosso movimento.
Falando
de sua análise sobre a ruptura sino-albanesa, no artigo Mao Zedong e Enver Hoxha e a Luta sobre duas
Frentes[1], ela contém
erros históricos factuais e que não se sustentam diante da avaliação de
documentos primários e, até mesmo, secundários. Podemos dizer também que a
análise do camarada Ludo Martens contém erros quando observamos a linha do
tempo que marcou essa relação e os seus principais embates
político-ideológicos. Não poderíamos esperar análises perfeitas de Martens, já
que alguns documentos apresentados no presente artigo foram apenas revelados ao
público em 2020. Porém não podemos deixar de notar que os documentos que iremos
apresentar não são fundamentais para se fazer uma análise acertada, tendo em
vista que uma série de partidos naquela época tomaram o lado da Albânia
socialista e do camarada Enver Hoxha. Os documentos são necessários apenas para
comprovar que nem mesmo os pontos “inéditos” levantados por Martens não se
sustentam. Assim, afirmamos, ainda, que o camarada Ludo Martens cometeu
equívocos além do fraco olhar para documentação histórica. Dessa forma, é
necessário apelar para o fato de que a opinião de Martens se encontra hoje errada
factualmente e, também, historicamente desatualizada.
A
opinião central do artigo de Martens é um possível desvio esquerdista, sectário
e dogmático do camarada Enver Hoxha, essa é a pedra de toque do artigo todo do
qual o autor tenta, de forma equivocada e falha, se debruçar. O centro da nossa
crítica, evidentemente, serão os argumentos. Mas, antes de tudo, precisamos
saudar a honestidade do camarada Martens ao afirmar que, tanto ele pessoalmente quanto o
PTB coletivamente, deixaram de estudar as análises do camarada Enver Hoxha e do
Partido do Trabalho da Albânia (PTA) após os eventos de 1978 – isso fica
evidenciado pelos próprios comentários de Martens, do qual demonstram que ele,
de fato, não tinha profundidade sobre o tema e sobre a Albânia Socialista. A
falta dessa leitura, evidentemente, o levou a cometer os erros que cometeu
nesse artigo.
Viragens Políticas
Encorajamos
a todos lerem o artigo de Martens para que voltem para este ensaio
com um acúmulo do fundamento de nossa crítica, para buscar o enriquecimento do
debate dialético e não apenas focar em argumentos desta ou daquela tendência.
Dito isto, o primeiro erro de concepção do camarada Ludo Martens é tratar os dois tomos das obras do camarada Enver Hoxha Reflexões Sobre a China como uma
linha geral do PTA. Ambos os livros, que marcam mais de 1.600 páginas juntas de
reflexões, teses e ideias, não representam uma visão exclusiva do partido.
Essas são notas do diário político pessoal do camarada Enver Hoxha, ou seja,
era algo que ele mantinha para si, tal qual os diários do camarada Georgi
Dimitrov, que foram publicados apenas depois de sua morte em 1949. Nesses
diários, ele expressava opiniões pessoais sobre uma infinidade de assuntos que
se alteravam de acordo com novos acontecimentos ao longo dos anos (1962-1977),
comentários rápidos. Algumas dessas opiniões pessoais não eram ainda aprovadas
coletivamente pelo Comitê Central do PTA, pois algumas coisas não eram nem mesmo
discutidas ou colocadas em pauta nas reuniões. Assim, não eram opiniões
públicas do partido sobre uma série de políticas. O próprio camarada Enver
Hoxha compreendia como ninguém os princípios ideológicos do centralismo
democrático e de como uma linha política-ideológica se torna monolítica dentro
da unidade do partido, isto leva tempo e um trabalho minucioso de propaganda e
de convencimento de toda a militância partidária, do centro às bases. Esse
conjunto de notas e teses do camarada Enver Hoxha foram publicadas apenas entre
1978 e 1979, após a ruptura da China contra a Albânia em julho de
1978. A publicação dessas notas foi aprovada pelo PTA com o objetivo de demonstrar como Enver
Hoxha fazia uma investigação cotidiana e dialética da política de Mao Zedong e
do PCCh desde 1962, que não eram “críticas exageradas e acusações gratuitas”
contra o PCCh como o camarada Ludo Martens afirma.
Outro
ponto fundamental é a suposta “esperança” de Ludo Martens (da qual ele arrasta
junto PCCh), para uma, também suposta, “viragem política no seio do PCUS”. Isso se
torna algo até mesmo inocente, principalmente para um camarada valioso
formado na teoria marxista-leninista do qual teve o desprazer de testemunhar cotidianamente
os eventos, terríveis e obscuros, que levaram até a dissolução da URSS em 1991.
A pior miopia é a política. O camarada Enver Hoxha não se alimentava de ilusões
políticas! Jamais poderia, ele era um estadista marxista-leninista, todo o PTA
e o povo albanês contavam com suas análises e capacidade diplomática,
principalmente para um país pequeno e com potencial econômico limitado, cercado
por uma série de inimigos, como a Albânia. Afirmamos isto, principalmente,
quando temos acesso a sua obra Os Khrushchevistas, do qual
Enver narra com monumental riqueza de detalhes como eram seus encontros e
conversas com a direção soviética desde 1953. Ele relembra suas inúmeras
conversas pessoais com Khrushchev, Mikoyan, com Suslov, com todo o Comitê
Central do PCUS. Enver sabia que jamais poderia esperar viragens daquela
direção lotada de oportunistas e traficantes, que havia assassinado o camarada
Stálin (como o próprio Mikoyan assume) e afastado, através de um golpe militar liderado por Khrushchev, tendo Polyansky como
seu adido no Exército Vermelho, os “cadáveres do bolchevismo”, isto é, antigos
membros do Comitê Central do PCUS que eram honestos, mas que tinham perdido o
“espírito revolucionário”.
Quem
lê, por exemplo, as memórias do camarada Lazar Kaganovich,
consegue visualizar plenamente que os camaradas honestos (que mais tarde foram
afastados, exilados e aposentados por Khrushchev) do Comitê Central do PCUS,
como Molotov e o próprio Kaganovich, não compreenderam, mesmo anos mais tarde,
a essência ideológica do 20º Congresso do PCUS. Eles não entenderam o impacto
deste congresso no movimento comunista internacional, não tiveram o espírito
dialético, vigilante e revolucionário que o camarada Enver Hoxha teve.
O
camarada Enver Hoxha sabia que uma mudança não viria, jamais, do seio da direção
soviética, que estava apodrecida e infeccionada com uma doença muito contagiosa,
o revisionismo. Foi sabendo que a parteira da história são as massas e não os
indivíduos, Enver escreve uma carta aberta aos militantes do PCUS para
reconstituírem o poder popular e a ditadura do proletariado na URSS, levantando
bem alta a bandeira da revolução, sempre defendida pelo camarada Stálin. Enver,
também, sabia que era fundamental o protagonismo da classe operária na reconstituição
de sua ditadura, por isso seus apelos sempre estavam ligados às massas e não a
direção do Comitê Central da URSS, que já estava toda ganha para o
revisionismo. Foi dessa clareza, com olhar profundo para a realidade, que
nasceu seu artigo A classe operária dos países revisionistas devem
ir à luta e restabelecer a ditadura do proletariado. A vida
mostrou que o camarada Enver Hoxha estava certo, porque os ventos das tentativas de mudanças vieram das
massas, das bases, das ruas, manifestações, atos políticos, simbólicos e
artísticos dos comitês locais, células do PCUS, núcleos de mulheres e da
juventude, dos veteranos da Grande Guerra Patriótica, de operários, camponeses,
todos aqueles que foram formados na extensa e acertada política de Josef
Stálin. Qual foi a resposta da direção soviética, do qual o camarada Ludo
Martens (junto com o PCCh) esperava uma “viragem política em seu seio”? A
repressão e aprofundamento da política de desestalinização! O motivo é claro:
Khrushchev e sua quadrilha concretizaram, ao longo de quatro anos, seu golpe.
Sabendo
que se tratava de um golpe militar perpetuado por uma direção oportunista, o
camarada Enver Hoxha está certo ao dizer que a linha correta é o fortalecimento,
e não o enfraquecimento, da luta de classes na URSS, que poderia vir através de
uma polêmica aberta contra o revisionismo, ao contrário da “tática” chinesa,
taxada como vacilante por Enver. Dito isso, vale a pena levantarmos o mérito
dessa aproximação entre a direção soviética e a direção chinesa em 1962.
Martens não apresenta provas de que essa aproximação foi feita com o objetivo “tático”
de apoiar “viragens” no PCUS, não apresenta reuniões, documentos, de onde isso
foi debatido, não apresenta a validade dessa tática nem suas consequências: o
fracasso. Mais ainda, se abstrairmos essa opinião e a analisarmos
filosoficamente tendo a dialética, essa aproximação tinha o PCUS como força
ativa e o PCCh como força reativa, isso significou, na verdade, a
possibilidade de uma “viragem política” no seio do PCCh e não do PCUS! Como de
fato aconteceu e a história testemunhou.
A Luta de Classes nos Países
Revisionistas
O camarada Ludo Martens faz uma
crítica inconsistente ao camarada Enver Hoxha levando em conta, novamente, a
necessidade de uma “flexibilidade tática”. Não queremos no presente artigo
fazer um debate sobre a importância da tática e da extensão de sua
flexibilidade. O camarada Stálin em sua obra Fundamentos
do Leninismo faz um arranjo muito didático e
profundo sobre qual é a relação dos leninistas com a tática, tal qual o
camarada Vladimir Lênin faz o mesmo em seu livro Esquerdismo,
a Doença Infantil do Comunismo, e em seus magníficos artigos Novas
Tarefas e Novas Forças e Por Onde
Começar?
O camarada Ludo Martens faz uma série
de perguntas, entre elas, “como pretende Enver Hoxha ‘educar as massas para a
revolução contra os revisionista-fascistas’?”; ou “Por acaso será uma revolução
sem partido comunista para dirigi-la?”; e então, “Por acaso crê que os
verdadeiros comunistas já se organizam fora do partido para uma nova revolução
proletária?”; por último, faz uma afirmação verdadeiramente bombástica: “Não
havia nem o menor indício do surgimento de um movimento comunista forte do
partido, nem de um movimento de massas de caráter revolucionário e proletário”.
A visão realista e dialética da
realidade concreta é fundamental para se estabelecer uma tática de luta, onde,
nas palavras de Liebknecht, “se as circunstâncias se transformam em vinte e
quatro horas, é preciso modificar a tática em vinte e quatro horas”. O fato é
que a história do revisionismo, dentro dos países revisionistas, com um partido
comunista degenerado à frente, do Estado e de toda a sociedade, com prestigio
acumulado pelos anos de luta revolucionária na clandestinidade, colocou à
margem do movimento marxista-leninista internacional a necessidade cruel de ter
de se travar uma luta de classes, com o objetivo de reestabelecer a ditadura do
proletariado em um local onde, teoricamente, ele já existe e está em
funcionamento. Separar o joio do trigo nesta época, o revolucionário do reacionário,
sem acesso aos documentos que temos hoje, é uma dificuldade extrema,
principalmente para quadros que tinham que atuar na mais profunda clandestinidade
em seus países.
Essa dura realidade não era incomum,
como era o caso, por exemplo, do camarada Kazimierz Mijal, fundador do Partido Comunista
da Polônia (KPP), que atuava cladestinamente dentro da Polônia revisionista
contra o partido no poder, o Partido Operário Unificado Polaco (PZPR). Em 1984,
ele foi, de novo, preso acusado de distribuir panfletos “dogmáticos e
stalinistas”. Esse partido contou com o ativo apoio do PTA e do camarada Enver
Hoxha. Por um tempo, o camarada Kazimierz Mijal morou na Albânia, e era ativo
na Rádio Tirana, sendo o correspondente polaco daquela rádio revolucionária.
Outro exemplo é o Partido Comunista
da Alemanha (Marxista-Leninista) (KDP-ML), com o camarada Ernst Aust à frente.
A dificuldade dos marxista-leninistas na Alemanha era dupla: de um lado, lutar
contra o capitalismo e imperialismo na Alemanha Ocidental; do outro, lutar na
mais extrema clandestinidade, para reestabelecer a ditadura do proletariado na
Alemanha Oriental, com o então Partido Socialista Unificado da Alemanha (SED)
no poder do Estado e de toda a sociedade. Além disto, o KDP(ML) tinha de lutar
pela reunificação de seu país então dividido. Este partido também teve grande
apoio do PTA e do camarada Enver Hoxha. Ernst Aust comparecia, inclusive, aos
congressos do PTA como um delegado internacional.
A própria União Soviética também teve
sua organização para tentar reestabelecer a ditadura do proletariado. O então
chamado de Movimento dos Comunistas Revolucionários Soviéticos (Bolchevique).
Há diversas suspeitas do envolvimento direto do camarada Molotov, que na época
tinha sido expulso do PCUS, no lançamento e propaganda da Proclamação
Programática dos Comunistas Revolucionários Soviéticos (Bolcheviques), denunciando
o regime khrushchevista, defendendo os princípios revolucionários e o camarada
Stálin, mas seu envolvimento pessoal jamais foi comprovado. Este movimento
contou com o apoio do PTA e do camarada Enver Hoxha, que extensivamente
divulgaram o sua Proclamação Programática pelo mundo. Este movimento foi
fortemente perseguido, caçado e destruído pela KGB.
Há diversos outros casos, inclusive
de sucesso na luta revolucionária! Como por exemplo a Frente Popular de
Libertação do Tigré (FPLT), que foi fundada pelo então Meles Zenawi, com apoio
do camarada Enver Hoxha, do PTA e de outros partidos marxista-leninistas da
África e da Europa, como o Partido Comunista da Espanha (Marxista-Leninista)
(PCE-ML). Em suas memórias, o camarada Raul Marco conta em detalhes sua visita à
Etiópia para apoiar, com armas em mãos, a luta armada daquele povo mantendo bem
alta a bandeira do marxismo-leninismo e da revolução socialista.
A FPLT era uma organização que
abertamente declarava, entre 1970-1990, que a Albânia era o único país
socialista no mundo. Essa organização foi capaz de levar a cabo a luta armada
que derrubou o satélite soviético na Etiópia, Mengistu Haile Mariam.
Evidentemente, após a queda do bloco socialista, a FPLT, como também o seu
próprio principal dirigente político, Meles Zenawi, entra em profundas
contradições ideológicas, assim como todo o movimento comunista internacional. Porém,
seu exemplo não pode ser descartado e ignorado, principalmente se tratando de
uma grande luta do povo africano que começou pelo seu caráter anticolonial e contra
o revisionismo moderno.
Na Iugoslávia, também havia um forte
movimento contra o revisionismo, principalmente em Kosovo e da população
albanesa que vivia na Iugoslávia. Não são poucos os exemplos de firmeza de
princípios, mesmo com a ativa perseguição da UDBA, contra a população albanesa
em geral, e os marxista-leninistas em particular. Mas este não era um movimento
particular das massas albanesas, Vlado Dapčević foi um revolucionário conhecido
na Iugoslávia por sua ácida e destruidora crítica ao revisionismo de Tito,
crítica que o levou a ser sentenciado a 20 anos de prisão. Mesmo dentro das
masmorras titoístas, Vlado jamais abandonou a causa marxista-leninista e, após
a sua liberdade, continuou organizando a luta dos trabalhadores pelo
restabelecimento do socialismo. Inúmeros são os movimentos e jornais
organizados por operários na Iugoslávia titoísta, na tentativa de restabelecer
a verdadeira ditadura do proletariado; inúmeros são os registros de grandes
movimentos de massas; inclusive, inúmeros são também os artigos do PTA em
defesa desses grupos.
Evidentemente, a luta para esses
grupos e muitos outros era de uma grande dificuldade. Lutar na clandestinidade,
nas masmorras, na propaganda aberta e fechada, constituía a necessidade de uma
coragem e firmeza de princípios verdadeiramente monumental. Por outro lado,
entre 1960-1990 esses grupos não tinham nem mesmo parte do material que temos
acesso hoje, isso mostra que a luta contra o revisionismo era algo, ainda
naquela época, algo que iria requerer grande capacidade de abstração filosófica
das massas que precisavam, antes, compreender que aqueles “comunistas” no poder
não eram comunistas! Não podemos imaginar a dificuldade que seria a luta
política nestes países, porque hoje estamos abençoados com documentos que antes
não tínhamos acesso.
A realidade é que, as perguntas
levantadas pelo camarada Ludo Martens foram respondidas pelas massas
organizadas, pelos quadros e comunistas em seus respectivos países ocupados
pelos revisionistas. A nossa dificuldade, ainda hoje, de entender o seu
trabalho é prova da sua profunda atuação clandestina, pouco documentada,
formada através daqueles bilhetes, cartas e panfletos que eram constantemente
queimados pelos próprios militantes que, seguindo as orientações de segurança
de seus partidos, não deixaram nada registrado para nós além de vagas memórias
de sua militância e, também, do incontestável apoio do camarada Enver Hoxha e
do Partido do Trabalho da Albânia (PTA), que jamais diminuiu seu profundo
internacionalismo proletário, em defesa da causa da revolução e do socialismo!
Já dizia o camarada Stálin, “não há fortaleza da qual os bolcheviques não
consigam ocupar” — estes partidos e seus ocultos militantes tinham a sua
monumental coragem e vontade enérgica de fazer, novamente, essas palavras de
seu dirigente uma realidade.
Podemos levantar um debate sobre a
validade da tática adotada pelos camaradas que foram protagonistas da luta contra
o revisionismo em seus respectivos países, fazer um honesto balanço histórico,
depurar os erros e ressaltar os acertos? Claramente podemos e, para evitar mais
erros no futuro, devemos. A melhor tática é definida através do debate, através
da luta ideológica e política e, para isto, é necessário ter quadros formados
na luta de classes que se baseiam na realidade concreta e não em ilusões
políticas acerca das “viragens” de uma direção que não estava interessada há
muito tempo em desenvolver a luta de classes e o processo revolucionário.
Apenas teremos condições de fazer uma avaliação justa dos acontecimentos nos
países revisionistas a medida em que generalizamos, estudamos, aprendemos,
formulamos as experiências obtidas pela prática na realidade concreta. Estas
experiências são pouco conhecidas por um grande número de comunistas
revolucionários, inclusive pelo próprio camarada Ludo Martens.
Uma realidade diferente dessa será
possível a medida em que nós tenhamos mais cérebros marxista-leninistas
voltados para esse debate e esse momento histórico, para sair da superfície e
encontremos a raiz dos fenômenos da luta contra o revisionismo no sentido
teórico e no sentido, de fundamental importância, organizativo — Essa afirmação
tem um peso ainda mais significativo quando consideramos que temos um partido “comunista”
no poder hoje na China, usando símbolos, bandeiras, palavreados e a história da
luta do movimento operário para seus objetivos nacionalistas, imperialistas e
revisionistas. Como é feita a luta contra o revisionismo na China hoje? Quais
experiências temos a levar em conta como exemplo? Esse é o fundamento da
prática revolucionária que precisamos encontrar, do qual, infelizmente, não
teremos uma resposta imediata, senão apenas uma resposta abstrata e baseada em
poucos artigos sobre a “nostalgia” do passado e que não representam, de fato,
uma luta organizada no sentido marxista-leninista. Fato é: a classe operária
chinesa sente os efeitos colossais do revisionismo, sente na pele e em seus
ossos o preço da exploração e da extração de mais-valia. De acordo com o Boletim
Operário da China, só esse ano tivemos mais de 1.480
greves deflagradas por trabalhadores de inúmeros ramos e categorias. Este é o
maior exemplo que temos, o exemplo do movimento das massas. As minucias,
teremos respostas apenas com o tempo e com estudo.
A Missão Fracassada de
Zhou Enlai e a Traição Chinesa
O camarada Ludo Martens afirma que a
visita de Zhou Enlai à URSS em 1964, após a queda de Khrushchev, visava “ajudá-los
a deixar a via revisionista”. Novamente aqui vemos uma clara expressão direta
da inocência e da miopia política do PCCh e do camarada Martens
acerca de qual era a validade ideológica do Comitê Central do PCUS. Isso
demonstra que nem mesmo o camarada Ludo Martens e o PCCh entenderam a natureza
da queda e demissão de Nikita Khrushchev e sua substituição por Leonid Brezhnev.
Por parte do camarada Ludo Martens, sabemos que a falta de seu entendimento
constituem um erro de boa-fé, porém não podemos dizer a mesma coisa por parte
do PCCh, de Mao Zedong e de Zhou Enlai, do qual sempre afrouxavam a luta de
princípios e, continuamente, faziam de tudo para flexibilizar a crítica ao
oportunismo revisionista no PCUS, não com o objetivo de convencê-los como parte
da luta política-ideológica, mas sim para fortalecer as posições nacionalistas
e a política chauvinista do PCCh e tornar a posição da China mais favorável no
terreno internacional para se tornar uma superpotência imperialista. Plano este
que o camarada Enver Hoxha põe a nu em sua obra O
Imperialismo e a Revolução. Em Reflexões
Sobre a China, o camarada Enver, em 1964, já
observava traços dessas tendências que se confirmaram em 1978:
“Se os camaradas chineses não pararem seu curso em direção aos soviéticos, que desde o início foi equivocada, se os camaradas chineses não consultarem, debaterem, decidirem coletivamente com os outros partidos comunistas e operários, do qual lutaram ombro a ombro com eles nesta luta, se os camaradas chineses não se mostrarem realistas ao analisar a conjuntura e agirem de acordo com uma plataforma marxista-leninista sólida, se forem impelidos pelo egoísmo, pela megalomania e por objetivos de dominação, certamente cairão em erros graves, sendo os principais perdedores.”[2]
O camarada Enver não conseguia
entender a “validade” da tática chinesa por conta de sua falta de realismo,
falta de princípios, megalomania absurda e, a questão mais essencial, a falta,
inclusive, de um senso tático revolucionário, não à toa essa “tática” fracassou
desde as suas fundações!
“Hoje, os camaradas chineses correm para Moscou o mais rápido possível. Por que? Para ajudar os ‘queridos camaradas’ revisionistas, os colaboradores mais próximos de [Khrushchev], e ‘através deles ajudar as forças revolucionárias na União Soviética’ etc. etc.?! Isto é um absurdo!
Para nós, marxistas, três paredes não seguram as águas. Por trás disso existem outros objetivos mórbidos.
Não fomos nós que derrubamos os dirigentes soviéticos, isto cabe ao seu partido e ao seu povo decidir. As nossas justas posições deveriam ajudar os revolucionários soviéticos a tomar a decisão certa. Mas aí vem a pergunta: será que, ao ajudar os revisionistas com tanto zelo, estaremos ajudando os revolucionários soviéticos? Dizer que sim significa que você não é um revolucionário. É, por acaso, um gesto revolucionário oferecer sua mão aos contrarrevolucionários para ajudá-los no momento em que sofrem uma pesada derrota, precisamente nestes momentos mais favoráveis à revolução, em que eles não dão sinal nenhum de alguma mudança significativa, mas, pelo contrário, declaram em voz alta que continuarão seu curso traiçoeiro declarados entre o 20º e o 22º Congressos? Não, isto é contrarrevolucionário, antimarxista e revisionista.”[3]
O pior cego é aquele que não quer
ver. O “apoio” de Zhou Enlai à direção soviética e nada significaram a mesma
coisa, porque a queda de Khrushchev jamais marcou o fim de uma tendência
política que disputava o poder soviético desde os anos de 1920, tendo Bukhárin e o bloco
trotskista e de direita à frente, que eram marcados por oportunistas e
traficantes, tecnocratas e conspiradores que assassinaram o camarada
Kirov, o camarada Maxim Gorky, que o próprio Ludo Martens tão consistentemente
denunciou e pôs a nu em sua grande obra Stálin,
Um Novo Olhar! O que conhecemos por khrushchevismo
não começou com Nikita Khrushchev, o próprio camarada Kaganovish afirmou em suas
memórias que “depois de ler as chamadas Memórias de Khrushchev,
publicadas na revista Ogoniok, fiquei convencido de que a avaliação de Molotov
é justa. Nem sequer vale a pena responder a Khrushchev para não descer ao nível
da vendedora de mercado que grita para a vizinha: ‘Porca é você!’. Tive por ele
ternos sentimentos de amizade, mas é claro que me enganei. Concluí que
Khrushchev não é um simples camaleão, mas um reincidente do trotskismo”.
A posição correta dos dirigentes
chineses não seria “retificar os erros gradualmente, tratando-o com um espírito
amistoso”, mas cercar os revisionistas, que sofreram uma derrota vergonhosa e
foram obrigados a substituir seu principal expoente, Khrushchev, por um de seus
adidos e colaboradores mais ativos; demonstrar ativamente que o grupo no poder
não chegou a essas posições pelas vias do partido, mas agindo de forma
conspiratória contra ele e os interesses da classe operária; que tudo foi feito
através de um golpe militar e que cabia às massas salvaguardar o partido que
foi usurpado delas pelo conjunto de tecnocratas e Primeiro-Secretários, que
tentaram a mesma coisa em 1938 com Yezhov; não seria enfraquecer a luta de
classes, mas expandi-la, tomar as medidas que a tornassem mais agudas e
insuportáveis para que os dirigentes revisionistas soviéticos continuassem
governando! Diante dessa imperatividade, o camarada Ludo Martens não consegue
compreender o motivo da indignação do camarada Enver, que não se contenta com
as migalhas da direção soviética, da falida tática chinesa e que coloca em
lençóis limpos uma clara possibilidade de uma “traição chinesa”. Ora, senhoras
e senhores, mais uma vez a história está testemunhando a clarividência do
camarada Enver Hoxha, pois a direção chinesa também traiu o marxismo-leninismo,
o socialismo e a revolução!
Infelizmente, ao que parece, o
camarada Ludo Martens, neste artigo, está sempre um passo atrás da realidade
concreta, justificando as posições chinesas sem ter enxergado suas
consequências para o movimento comunista internacional nos momentos
subsequentes. Do outro lado, mostra, ainda, como era profunda a sabedoria do
camarada Enver e de todo o PTA, porque sozinhos eram capazes de olhar essas
movimentações com os dois pés bem cravados no chão, observando o fenômeno em
seu movimento dialético, mantendo alta a vigilância para os erros e acertos.
Aproximação com os Estados
Unidos e o Plano da Superpotência
Acreditamos que
este trecho seja o ponto fundamental de todo o erro do camarada Ludo Martens.
Pelo motivo de que, em suas acusações, o camarada Martens sublinha que o
camarada Enver “flertava com o trotskismo” e que suas análises tediam diversas “extravagâncias pueris”. Dentro deste trecho do nosso artigo, nos atentaremos a três trechos inteiros do
artigo de Martens, mais especificamente os intertítulos “Nixon e o lacaio do
imperialismo americano”, “China: Desvio Oportunista ou social-imperialismo?” e
“Crítica ao revisionismo ou luta extremista?” — Recomendamos a todas e todos
que os leiam atentamente antes de observarem nossos comentários.
A primeira
concepção que devemos levantar é o argumento do camarada
Martens sobre a aproximação da China com os EUA, da qual ele apresenta como uma
necessidade para o reconhecimento do governo americano para com o poder
estabelecido na China, graças ao triunfo da Grande Revolução Chinesa de 1949, a
normalização dos direitos da China na ONU e nas organizações internacionais.
Devemos afirmar prontamente que esses argumentos são, na verdade, uma grande
lorota da direção chinesa, que acobertava seus reais planos econômicos e
políticos. Veremos isso mais à frente.
Em nada,
absolutamente nada, a aproximação de Mao Zedong com Nixon deve ser comparada
com o Tratado de Brest-Litovsk, ou mesmo com todas as articulações da URSS, com
o camarada Stálin à frente, na luta contra o fascismo, seja a convocação da
Liga das Nações para o perigo do nazismo alemão para a Europa, ou o Pacto de
Não-Agressão Molotov-Ribbentrop. Nenhuma destas comparações é justa e honesta.
Faltou o camarada Martens, para fechar o ciclo de exemplos ruins de “unidade”,
também exemplificar a aliança de Stálin, Churchill e Roosevelt contra a
Alemanha nazista, a Itália fascista e o Japão na Grande Guerra Patriótica.
O camarada
Martens não coloca a necessidade do Tratado de Brest-Litovsk para salvar milhões de vidas soviéticas, que já sofriam com a fome, o
desemprego e a miséria, que estavam ameaçadas e foram de fato vitimadas por uma
“guerra civil” pelo restabelecimento do czarismo, que contou com o apoio
militar e econômico de dezenas de países estrangeiros; o camarada Martens não
coloca a necessidade do Pacto de Não-Agressão, para adiar uma guerra que ceifou a vida de 27 milhões de soviéticos,
um número inimaginavelmente grande e inconcebível para o cérebro humano de tão
devastador e monumental. Nada dessas comparações de vida ou morte, nenhuma,
justificam a aproximação chinesa com a principal força imperialista do mundo
que, desde o final da guerra em 1945, fazia de tudo para começar uma nova
guerra nuclear, agora mirando nos povos soviéticos e nas democracias populares!
O camarada Martens não falou da extensa campanha internacional protagonizada pelos povos soviéticos, principalmente pelo camarada Andrey
Vyshinsky e o camarada Stálin, para evitar essa nova guerra, sem ao menos
conceder um centímetro de terreno ou concessão às potências imperialistas.
O camarada Ludo
Martens também não falou que, durante a Guerra de Libertação Nacional
Antifascista, o PKSH, com o camarada Enver Hoxha à frente, fizeram compromissos
com as forças britânicas e norte-americanas na luta antifascista, tal qual a
URSS. Tudo registrado em sua obra de 400 páginas A Ameaça Anglo-Americana na Albânia (Memórias da Guerra
de Libertação Nacional). Se o camarada
Enver Hoxha flertasse com o trotskismo, como ele conseguiu ser o maior exemplo,
na teoria e na prática, da acertada tática da Comintern da luta contra o
fascismo, difundida pelo camarada Georgi Dimitrov, com o estabelecimento de uma Frente de Libertação Nacional Antifascista (LANÇ), da qual soube utilizar, com grande habilidade, todas as forças
sociais e apoio externo na luta contra o inimigo invasor e, no final, descartou
e isolou essas forças no momento apropriado para fortalecer a hegemonia do
proletariado no governo que viria se estabelecer, fazendo vitoriosa a revolução
socialista em novembro de 1944? Essas são perguntas que os defensores deste
artigo do camarada Ludo Martens não serão capazes de responder se quiserem ter
validade histórica.
Por isso,
afirmamos, que não é justa a comparação assimétrica e sem equivalência do
camarada Ludo Martens da aproximação chinesa com o imperialismo norte-americano
com todos os exemplos “históricos” dados por ele de “aproximações”. Isto demonstra, por outro lado, que o
camarada Martens tinha dificuldade de achar o elo central da cadeia, como eram
tão habilidosos o camarada Lênin, Stálin e Enver.
Não, o objetivo
da visita de Nixon na China não era o reconhecimento do Estado chinês por parte
dos Estados Unidos. Essa é a superfície da questão fundamental. Principalmente
se levarmos em conta as visitas “secretas” de Henry Kissinger e as conversas igualmente “secretas” deste com Mao Zedong nos anos subsequentes. Mais ainda, precisamos
olhar mais atentamente para a história da crise do sistema capitalista nos anos
1970-1980 para desnudar e entender efetivamente a real natureza das relações
históricas que se desenharam entre a China e os EUA.
A tese marxista fundamental é, como nesta época, nos estados imperialistas, os capitalistas
avaliavam que existia um poder excessivo do trabalho em sua relação com
o capital e que, portanto, era necessário, para sair da crise,
“disciplinar” o trabalho. A partir desta época, até os anos 1985, isto
foi concretizado pelo desenvolvimento da economia neoliberal transportando toda
a mão de obra da manufatura, da cadeia de produção capitalista, para o sudeste
asiático, sendo Reagan e Thatcher os expoentes mais claros da concretização
dessa política de desindustrialização, financeirização e liberalização completa
da economia.
Mostrando que a
crise que se desenvolveu desde os anos 1970, onde os salários permaneciam
estagnados (como estão até hoje), inclusive em sua participação na renda nacional
que caíam ano após ano, corroborou para uma nova dificuldade do sistema
capitalista: como estabelecer a demanda efetiva quando a participação do
salário está estagnada e diminui cada vez mais, pensando, principalmente, que
os salários são pagos em forma de dinheiro e compram bens? A resposta para isto
foi o fortalecimento da economia de crédito, espalhando aos quatro cantos do
planeta os cartões de crédito que fizeram, por exemplo, famílias
norte-americanas triplicarem sua dívida em menos de trinta anos. Entre 1970 e 1980,
Thatcher e Reagan resolveram temporariamente o problema do trabalho e
sua relação com o capital ao agradar o capital financeiro transportando
a manufatura para o sudeste asiático. Porém eles não fizeram mais do que
atrasar a crise inevitável de sua época em algumas gerações.
Com a
financeirização da economia norte-americana e europeia, o que levou ao
endividamento vertiginoso, o principal setor atingido por essas dívidas foi o mercado
imobiliário. Com isso, se estabeleceram as condições que levaram o sistema
capitalista a pior crise de sua história, a crise que até hoje não nos
recuperamos, a crise de 2008. Esta crise desenvolvida, mostrou a assertividade
da teoria marxista de que o capitalismo nunca resolve suas crises, ele
apenas as transporta geograficamente e as atrasa, causando impactos
destrutivos inimagináveis.
O país que mais
se beneficiou desse transporte geográfico dos sistemas de manufatura da
produção capitalista para o sudeste asiático foi a China, que soube capitanear
toda essa transformação, para obter tecnologia, fortalecer uma ampla
proletarização de sua economia, e cumprir parte do seu plano a longo prazo de
se tornar uma superpotência imperialista. Por isso vemos, cidades antes proletarizadas
na Inglaterra e nos Estados Unidos com fábricas e indústrias esvaziadas, isto
é, com uma redução gigantesca da participação do trabalho, o que agradou
profundamente os financiadores e os acionistas do capital financeiro, que é a
raiz de toda a contradição moderna. A resposta do sucesso chinês não está, como
afirmam os socialdemocratas, na capacidade do PCCh em “adestrar” o capitalismo,
mas em como a China e a classe operária chinesa foram exploradas, “adestradas”
pelo capitalismo, até os ossos para tornar esse plano e esse transporte de indústrias
e tecnologia possível, em como a economia capitalista buscou “adestrar” o
trabalho, levando a classe trabalhadora chinesa às condições mais desumanas de
exploração.
Mao Zedong e o
PCCh não eram inimigos deste plano, pelo contrário, eram seus principais
representantes. Para este plano funcionar e ter capilaridade em sua execução a
longo prazo, era necessário estabelecer relações em todos os lugares do planeta
com quem quer que fosse, estabelecer alianças táticas com elementos
reacionários, torná-los aliados permanentes, adidos e representantes locais dos
interesses chineses, ligados por mil fios ao capital norte-americano, já que a
“principal ameaça para o mundo era o social-imperialismo soviético”. Surge aí, uma
necessidade histórica do estabelecimento de uma teoria que corroborasse com
essa linha política em curso na política externa da China, da qual a “justificasse
teoricamente” para o mundo e, principalmente, para seus representantes locais,
assim surge através de Mao Zedong, Deng Xiaoping e o jornal Diário do Povo a chamada “Teoria dos Três Mundos”.
Nada é acidental
ou parte do acaso, assim, com a visita de Nixon à China, este momento ficou
marcado como a aproximação chinesa do capital norte-americano, porém, essa
aproximação tinha uma data de validade estabelecida. A medida em que os
chineses tivessem acesso à tecnologia, indústrias, ampla atividade comercial em
seu país, desenvolvimento amplo da sua economia e setores sociais antes
atrasados pela estagnação, tal qual a solução dos principais paradigmas sociais
de sua época, isto é, a pobreza generalizada de sua população, então ela teria
as condições necessárias reunidas para se voltar de vez contra seu antecessor,
mirando agora numa disputa hegemônica contra os Estados Unidos, tendo os Russos
como seus principais aliados.
A única força
social que observou essa movimentação dialética de contrários em sua realidade
objetiva foi o Partido do Trabalho da Albânia (PTA) com o camarada Enver Hoxha
à frente.
Toda esta
história da recente crise do capitalismo que contamos está registrada em
profundos detalhes nesta grande e monumental obra, O Imperialismo e a Revolução. Lançada entre abril e dezembro de 1978, neste livro já
estão registrados os contornos das contradições que vivemos atualmente em nossa
época com a luta interimperialista entre Estados Unidos, China e Rússia pela
partilha do mundo e suas zonas de influência. Nesta obra do camarada Enver
Hoxha já há uma crítica consistente da teoria dos três mundos, os reais motivos para o seu estabelecimento na história, e um
apunhado bastante sobrenatural da clareza e dos caminhos futuros do que se
tinha definido pelo plano da China em se tornar uma superpotência. Para além da crítica à teoria dos três mundos e ao plano chauvinista
da China, o camarada Enver Hoxha também já nos armou possíveis viragens para o futuro próximo, para o que começou a se desenhar na primeira
década do século 21.
“A política pragmática e confusa da China levou-a a tornar-se aliada do imperialismo norte-americano e a proclamar o social-imperialismo soviético como o inimigo e o perigo principal. Amanhã, quando a China verificar que alcançou seus objetivos de debilitar o social-imperialismo soviético, quando constatar que, segundo sua lógica, o imperialismo norte-americano estiver se fortalecendo, então, já que ela se apoia num imperialismo para combater o outro, poderá prosseguir a luta no flanco oposto. Nesse caso o imperialismo norte-americano poderá tornar-se mais perigoso e a China converterá automaticamente a atitude anterior em seu contrário.”
O que é a “teoria
da multipolaridade”, palavra da moda entre todos os partidos revisionistas,
eurocomunistas e socialdemocratas de nossa época, senão a continuação
necessária da teoria dos três mundos, onde a China e o PCCh se utilizam de uma
força imperialista para se voltar contra outra, agora tendo os Estados Unidos
como principal inimigo? Essa é a confirmação mais clara da validade da vida e
obra do camarada Enver Hoxha, e de toda a luta do PTA para tirar o movimento
operário internacional do pântano que fomos jogados pelo revisionismo moderno,
iniciado pelo 20º Congresso do PCUS e que teve sua continuação pela traição
chinesa à luta dos povos.
Portanto, não
podemos errar em política, precisamos ser revolucionários, cremos ter visto que
qualquer afirmação pelo camarada
Ludo Martens sobre “as inverdades flagrantes de Enver Hoxha” não passam por ser
mais do que a constatação mais profundas da realidade e do mundo que vivemos,
das contradições de nossa época, e que, infelizmente, o camarada Ludo Martens
não teve capacidade de observar em nome da preservação de uma “pureza”
ideológica do “Pensamento Mao Zedong” que, desde suas fundações, já estavam
imundas, pois jogam lama nos olhos dos revolucionários que perdem a capacidade
de enxergar como a realidade se transforma ao seu redor e de qual é o caminho
acertado para transformá-la na via da revolução socialista.
Uma Forma de Conclusão e
Outros Erros
A medida em que já fomos capazes de,
à luz do marxismo-leninismo, responder e evidenciar a plenitude dos principais
erros cometidos pelo camarada Ludo Martens, com profundo espírito de
camaradagem em respeito a sua influência no movimento comunista internacional e
a estatura de seu exemplo, por jamais baixar a bandeira da revolução socialista
e da luta anticolonial, estamos a caminho de finalizar, finalmente, nosso
pequeno ensaio. Cabe, por último, ressaltar alguns pequenos equívocos e erros
factuais cometidos pelo camarada Ludo Martens.
Sobre a questão do campesinato e da
classe operária, Martens ressalta um artigo de Mao
Zedong de 1926, para demonstrar a “validade” da classe operária chinesa que,
apesar de pouco numerosa, seria a vanguarda do processo revolucionário. O
camarada Martens não compreende que Enver está se referindo ao papel do
campesinato (e da juventude) no período da “Grande Revolução Cultural
Proletária”. Posteriormente, o camarada Enver denuncia um momento, inclusive,
em que operários
chineses foram agredidos pelos Guardas Vermelhos, algo
testemunhado pela delegação albanesa na China neste período. Este é, na
verdade, um erro comum que a crítica maoísta comete ao falar sobre o camarada
Enver, não compreender a diferença de épocas e como, sumariamente, a classe
operária foi deixada de lado pelo PCCh. É particularmente estranho insistirem
neste erro, já que em 1944 a revolução albanesa teve um conjunto majoritário de
camponeses em suas fileiras, no exército da LANÇ e no PKSH. A classe operária
albanesa era minúscula nesta época, não representando nem mesmo 10% da
população. Enver sabia mais do que ninguém que a vanguarda da classe operária
não se dá por números, ou mesmo que a Revolução Chinesa de 1949 não seria
possível sem a participação da classe operária. A questão é onde e em qual
época Enver está se referindo, isto é, a época da “Revolução Cultural”.
Por último, o comentário do camarada
Ludo Martens sobre as contradições e a unidade no partido, usando o caso do
complô de Beqir Balluku como exemplo, mostram que, tanto os maoístas em geral
quanto o camarada Martens em particular, tem uma grande dificuldade de entender
como funcionavam as atividades conspiratórias dos agentes estrangeiros e dos
revisionistas dentro do PTA, — a exemplo do revisionista português Francisco
Martins Rodrigues (que, a propósito, não merece nenhum respeito dos
revolucionários, pois delatou
camaradas nas prisões da PIDE, como um covarde egoísta,
autossuficiente e traidor que era), que já cometeu o erro
vergonhoso de sair em
defesa de Mehmet
Shehu e sua quadrilha.
Beqir Balluku era um conhecido reincidente
do revisionismo desde 1956, quando ele tentou transportar as criticas de Nikita
Khrushchev ao camarada Stálin dentro do Comitê Central do PTA na altura da
realização do 3º Congresso do Partido, o que, inevitavelmente, levaria o PTA
para a linha oportunista junto com os demais países do leste europeu e da Ásia[4]. Ao longo
dos anos, a quadrilha de Beqir Balluku atuava ativamente contra a linha do
partido, não agindo no espírito do debate e da resolução de contradições
através da criação e formulação de sínteses, não através da linha de fortalecer
a unidade monolítica do partido e do cumprimento do centralismo democrático,
mas atuou de forma faccionalista e, para atingir seus objetivos, utilizou
também o aparato estatal para atingir seus objetivos de médio a longo prazo.
Para isto, se utilizando do Exército, planejaram um golpe de estado[5].
Inicialmente, o Birô Político do PTA
não sabia de nenhuma dessas atividades e fez a crítica camarada, ao longo de
vários anos, no sentido de Beqir Balluku e seus agentes corrigissem, em um
profundo processo autocrítico, uma série de erros, manifestações errôneas e
irregularidades na condução da linha do partido. Através da atividade e
promoção carreiristas dentro do Exército e conscientemente sabotando as
diretivas do partido na condução ideológica e organizativa do Exército, o plano
de Beqir Balluku foi descoberto e o controle coletivo do Exército foi
assegurado.
Agora podemos levantar a questão: por
que o camarada Martens apoia a
atividade do PCUS no processo contra Mikhail Tukhachevsky e sua quadrilha por
sabotagem contra o Exército Vermelho e por manter contatos espúrios com agentes
estrangeiros, mas o camarada Martens não apoia o processo do PTA contra Beqir
Balluku e sua quadrilha por sabotagem do Exército albanês e por manter contatos
espúrios com agentes estrangeiros da URSS khrushchevista? Não há nenhum sentido
aqui.
Para finalizar, o camarada Ludo
Martens fala que os
supostos “crimes de Adil Carçani foram a ‘descentralização da economia, a
orientação para a autogestão, a sabotagem de nossa indústria petrolífera,
inchamento da burocracia’”. Isto está profundamente errado, é um erro factual,
pois o camarada Adil Çarçani nunca cometeu ou foi acusado de cometer
crime algum na época socialista. Pelo contrário, ele era um camarada destacado
desde a Guerra de Libertação Nacional e teve grande validade
político-ideológica na edificação do socialismo na Albânia, sendo um marxista-leninista
consistente por toda a sua vida, sempre estando ao lado do PTA e do camarada
Enver Hoxha. Após o suicídio de Mehmet Shehu, em 1981, o camarada Adil Çarçani
é eleito Primeiro-Ministro da Albânia.
Então, é mais do que errônea a afirmação de que “para
Enver Hoxha, toda divergência séria se converte em complô”, o debate coletivo
no partido era feito no sentido de se chegar à sínteses coletivas, essa é a
diferença de um partido que cumpre o centralismo democrático
marxista-leninista, que sabe estabelecer uma linha monolítica e revolucionária
para todos os seus quadros, e os partidos de “pluralismo ideológico”, no qual
se convertem em grupos faccionalistas unidos e que buscam, com o tempo, um
mordiscar o outro até que a facção oposta seja derrubada, típico em partidos
maoístas e no próprio PCCh, mas sob o nome de “luta de duas linhas”.
Ressaltamos, mais uma vez, nosso objetivo de elevar o debate ideológico e camarada com este ensaio, buscando unificar ainda mais os quadros políticos que querem construir a revolução socialista em nosso país e no mundo, sob a bandeira de Marx, Engels, Lênin, Stálin e o camarada Enver Hoxha!
Referências Bibliográficas
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4. HOXHA, Enver. Reflections
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Botuese “8 Nëntori”, 1978.
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Works – Volume IV (June 1966 – October 1975). 1. Ed. Tirana: Shtëpia Botuese “8 Nëntori”, 1982.
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12. LÊNIN, Vladimir. Obras Escolhidas – 1º Tomo. 1.
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15. VOICE, People’s. Interview
with Meles Zenawi, Secretary General of the TPLF. 1. Ed. Etiópia: People’s Voice, 1990.
16. HOXHA, Enver. O Imperialismo e a Revolução. 1.
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17. POVO, Hora do. As Confissões de Bukhárin. 1.
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24. HOXHA, Enver. Obras Completas, Volume 36 (Junho de
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25. HARVEY, David. A
Brief History of Neoliberalism. 1. Ed. New York: Oxford University Press,
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26. ALBÂNIA, Instituto de Estudos Marxista-Leninistas do Comitê Central do Partido do Trabalho da. História do Partido do Trabalho da Albânia. 2. Ed. Tirana: Shtëpia Botuese “8 Nëntori”, 1982.
Notas de Referência
[1]. Esse artigo é um trecho do livro do camarada Ludo
Martens, De Tien An Men à Timisoara – Luttes et débats au sein du PTB
(1989-1991) – Tradução livre: Da Praça da Paz
Celestial a Timișoara – Lutas e Debates no PTB (1989-1991).
[2]. Enver Hoxha: Reflexões Sobre a China, Tomo 1,
página 138 – Casa de Publicações “8 Nëntori”; Tirana, 1979.
[3]. Enver Hoxha: Reflexões Sobre a China, Tomo 1,
página 139 – Casa de Publicações “8 Nëntori”; Tirana, 1979.
[4]. Instituto de Estudos Marxista-Leninistas do Comitê
Central do PTA: História do Partido do Trabalho da Albânia, página 300 –
Casa de Publicações “8 Nëntori”, Segunda Edição Inglesa; Tirana, 1982.
[5]. Instituto de Estudos Marxista-Leninistas do Comitê
Central do PTA: História do Partido do Trabalho da Albânia, página 502 –
Casa de Publicações “8 Nëntori”, Segunda Edição Inglesa; Tirana, 1982.

Fico muito feliz e orgulhoso da nossa doutrina marxista-leninista ter sido generosamente enriquecida pela obra magnífica do camarada Enver Hoxha. Que mais pessoas conheçam o seu trabalho e divulguem as suas contribuições teóricas e práticas para o socialismo!
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