Os erros do camarada Ludo Martens sobre a luta ideológica entre Enver Hoxha e Mao Zedong

Legado — O camarada Ludo Martens tem enormes contribuições ao marxismo-leninismo, a obra de sua vida jamais poderá ser apagada da historiografia da nossa doutrina revolucionária, principalmente aqueles escritos que foram construídos no período de maior crise do socialismo nos anos 90. (Foto: Reprodução).

MARXISMO-LENINISMO • A relação histórica entre China Popular e a Albânia Socialista formaram parte da história do movimento comunista internacional entre os anos 1960 e 1980. A ruptura sino-albanesa em julho de 1978 ainda constitui um pedaço da história que levou inúmeros partidos comunistas marxista-leninistas a uma série de polêmicas ideológicas sobre qual tendência dentro do movimento estava seguindo uma linha justa, com uma tática revolucionária e firmeza de princípios.

O camarada Ludo Martens não ficou de fora deste debate. De fato, ele se aventurou nesse paradigma da história da mesma forma que tantos outros partidos e autores, foi ele a figura que buscou olhar para esse fenômeno na Bélgica e estabelecer uma linha política para si e seu partido, o Partido dos Trabalhadores da Bélgica (PTB). É necessário pontuar, antes de tudo, que o camarada Ludo Martens tem grandes contribuições ao marxismo-leninismo, principalmente sua obra histórica Stálin, Um Novo Olhar. Ele revela uma importante recuperação histórica dos méritos da vida e obra do camarada Josef Stálin. Além de suas demais obras, é um membro valioso do movimento comunista internacional e tem papel singular em nossa historiografia em defesa do que foi a experiência mais acertada da humanidade, o governo soviético com o camarada Stálin à frente.

Sua prematura morte em 2011 constitui uma perda imensa para todos os povos que lutam pela libertação das correntes do capitalismo, do colonialismo e do imperialismo. Jamais podemos esquecer os méritos e virtudes do camarada Ludo Martens, na luta pela reconstituição de uma tendência revolucionária no mundo, em meio a uma época de grandes vicissitudes e derrotas para o movimento operário internacional, isto é, a dissolução da União Soviética e de todo o Bloco Leste em 1991. Junto a isso, uma seguinte onda anticomunista que atingiu todo o planeta, da qual representou uma catástrofe humana que ainda hoje ceifa milhares de vidas de trabalhadoras e trabalhadores através da fome, desemprego, miséria, depressão, suicídio e pobreza generalizada em todos os países oprimidos. Nesta época o camarada Ludo Martens ainda manteve bem alta a bandeira da revolução, do marxismo-leninismo e da luta anticolonial; esses são méritos que nenhuma ofensa, artigo e crítica podem negar dessa figura imprescindível para o nosso movimento.

Falando de sua análise sobre a ruptura sino-albanesa, no artigo Mao Zedong e Enver Hoxha e a Luta sobre duas Frentes[1], ela contém erros históricos factuais e que não se sustentam diante da avaliação de documentos primários e, até mesmo, secundários. Podemos dizer também que a análise do camarada Ludo Martens contém erros quando observamos a linha do tempo que marcou essa relação e os seus principais embates político-ideológicos. Não poderíamos esperar análises perfeitas de Martens, já que alguns documentos apresentados no presente artigo foram apenas revelados ao público em 2020. Porém não podemos deixar de notar que os documentos que iremos apresentar não são fundamentais para se fazer uma análise acertada, tendo em vista que uma série de partidos naquela época tomaram o lado da Albânia socialista e do camarada Enver Hoxha. Os documentos são necessários apenas para comprovar que nem mesmo os pontos “inéditos” levantados por Martens não se sustentam. Assim, afirmamos, ainda, que o camarada Ludo Martens cometeu equívocos além do fraco olhar para documentação histórica. Dessa forma, é necessário apelar para o fato de que a opinião de Martens se encontra hoje errada factualmente e, também, historicamente desatualizada.

A opinião central do artigo de Martens é um possível desvio esquerdista, sectário e dogmático do camarada Enver Hoxha, essa é a pedra de toque do artigo todo do qual o autor tenta, de forma equivocada e falha, se debruçar. O centro da nossa crítica, evidentemente, serão os argumentos. Mas, antes de tudo, precisamos saudar a honestidade do camarada Martens ao afirmar que, tanto ele pessoalmente quanto o PTB coletivamente, deixaram de estudar as análises do camarada Enver Hoxha e do Partido do Trabalho da Albânia (PTA) após os eventos de 1978 – isso fica evidenciado pelos próprios comentários de Martens, do qual demonstram que ele, de fato, não tinha profundidade sobre o tema e sobre a Albânia Socialista. A falta dessa leitura, evidentemente, o levou a cometer os erros que cometeu nesse artigo.

Viragens Políticas

Encorajamos a todos lerem o artigo de Martens para que voltem para este ensaio com um acúmulo do fundamento de nossa crítica, para buscar o enriquecimento do debate dialético e não apenas focar em argumentos desta ou daquela tendência. Dito isto, o primeiro erro de concepção do camarada Ludo Martens é tratar os dois tomos das obras do camarada Enver Hoxha Reflexões Sobre a China como uma linha geral do PTA. Ambos os livros, que marcam mais de 1.600 páginas juntas de reflexões, teses e ideias, não representam uma visão exclusiva do partido. Essas são notas do diário político pessoal do camarada Enver Hoxha, ou seja, era algo que ele mantinha para si, tal qual os diários do camarada Georgi Dimitrov, que foram publicados apenas depois de sua morte em 1949. Nesses diários, ele expressava opiniões pessoais sobre uma infinidade de assuntos que se alteravam de acordo com novos acontecimentos ao longo dos anos (1962-1977), comentários rápidos. Algumas dessas opiniões pessoais não eram ainda aprovadas coletivamente pelo Comitê Central do PTA, pois algumas coisas não eram nem mesmo discutidas ou colocadas em pauta nas reuniões. Assim, não eram opiniões públicas do partido sobre uma série de políticas. O próprio camarada Enver Hoxha compreendia como ninguém os princípios ideológicos do centralismo democrático e de como uma linha política-ideológica se torna monolítica dentro da unidade do partido, isto leva tempo e um trabalho minucioso de propaganda e de convencimento de toda a militância partidária, do centro às bases. Esse conjunto de notas e teses do camarada Enver Hoxha foram publicadas apenas entre 1978 e 1979, após a ruptura da China contra a Albânia em julho de 1978. A publicação dessas notas foi aprovada pelo PTA com o objetivo de demonstrar como Enver Hoxha fazia uma investigação cotidiana e dialética da política de Mao Zedong e do PCCh desde 1962, que não eram “críticas exageradas e acusações gratuitas” contra o PCCh como o camarada Ludo Martens afirma.

Outro ponto fundamental é a suposta “esperança” de Ludo Martens (da qual ele arrasta junto PCCh), para uma, também suposta, “viragem política no seio do PCUS”. Isso se torna algo até mesmo inocente, principalmente para um camarada valioso formado na teoria marxista-leninista do qual teve o desprazer de testemunhar cotidianamente os eventos, terríveis e obscuros, que levaram até a dissolução da URSS em 1991. A pior miopia é a política. O camarada Enver Hoxha não se alimentava de ilusões políticas! Jamais poderia, ele era um estadista marxista-leninista, todo o PTA e o povo albanês contavam com suas análises e capacidade diplomática, principalmente para um país pequeno e com potencial econômico limitado, cercado por uma série de inimigos, como a Albânia. Afirmamos isto, principalmente, quando temos acesso a sua obra Os Khrushchevistas, do qual Enver narra com monumental riqueza de detalhes como eram seus encontros e conversas com a direção soviética desde 1953. Ele relembra suas inúmeras conversas pessoais com Khrushchev, Mikoyan, com Suslov, com todo o Comitê Central do PCUS. Enver sabia que jamais poderia esperar viragens daquela direção lotada de oportunistas e traficantes, que havia assassinado o camarada Stálin (como o próprio Mikoyan assume) e afastado, através de um golpe militar liderado por Khrushchev, tendo Polyansky como seu adido no Exército Vermelho, os “cadáveres do bolchevismo”, isto é, antigos membros do Comitê Central do PCUS que eram honestos, mas que tinham perdido o “espírito revolucionário”.

Quem lê, por exemplo, as memórias do camarada Lazar Kaganovich, consegue visualizar plenamente que os camaradas honestos (que mais tarde foram afastados, exilados e aposentados por Khrushchev) do Comitê Central do PCUS, como Molotov e o próprio Kaganovich, não compreenderam, mesmo anos mais tarde, a essência ideológica do 20º Congresso do PCUS. Eles não entenderam o impacto deste congresso no movimento comunista internacional, não tiveram o espírito dialético, vigilante e revolucionário que o camarada Enver Hoxha teve.

O camarada Enver Hoxha sabia que uma mudança não viria, jamais, do seio da direção soviética, que estava apodrecida e infeccionada com uma doença muito contagiosa, o revisionismo. Foi sabendo que a parteira da história são as massas e não os indivíduos, Enver escreve uma carta aberta aos militantes do PCUS para reconstituírem o poder popular e a ditadura do proletariado na URSS, levantando bem alta a bandeira da revolução, sempre defendida pelo camarada Stálin. Enver, também, sabia que era fundamental o protagonismo da classe operária na reconstituição de sua ditadura, por isso seus apelos sempre estavam ligados às massas e não a direção do Comitê Central da URSS, que já estava toda ganha para o revisionismo. Foi dessa clareza, com olhar profundo para a realidade, que nasceu seu artigo A classe operária dos países revisionistas devem ir à luta e restabelecer a ditadura do proletariado. A vida mostrou que o camarada Enver Hoxha estava certo, porque os ventos das tentativas de mudanças vieram das massas, das bases, das ruas, manifestações, atos políticos, simbólicos e artísticos dos comitês locais, células do PCUS, núcleos de mulheres e da juventude, dos veteranos da Grande Guerra Patriótica, de operários, camponeses, todos aqueles que foram formados na extensa e acertada política de Josef Stálin. Qual foi a resposta da direção soviética, do qual o camarada Ludo Martens (junto com o PCCh) esperava uma “viragem política em seu seio”? A repressão e aprofundamento da política de desestalinização! O motivo é claro: Khrushchev e sua quadrilha concretizaram, ao longo de quatro anos, seu golpe.

Sabendo que se tratava de um golpe militar perpetuado por uma direção oportunista, o camarada Enver Hoxha está certo ao dizer que a linha correta é o fortalecimento, e não o enfraquecimento, da luta de classes na URSS, que poderia vir através de uma polêmica aberta contra o revisionismo, ao contrário da “tática” chinesa, taxada como vacilante por Enver. Dito isso, vale a pena levantarmos o mérito dessa aproximação entre a direção soviética e a direção chinesa em 1962. Martens não apresenta provas de que essa aproximação foi feita com o objetivo “tático” de apoiar “viragens” no PCUS, não apresenta reuniões, documentos, de onde isso foi debatido, não apresenta a validade dessa tática nem suas consequências: o fracasso. Mais ainda, se abstrairmos essa opinião e a analisarmos filosoficamente tendo a dialética, essa aproximação tinha o PCUS como força ativa e o PCCh como força reativa, isso significou, na verdade, a possibilidade de uma “viragem política” no seio do PCCh e não do PCUS! Como de fato aconteceu e a história testemunhou.

A Luta de Classes nos Países Revisionistas

O camarada Ludo Martens faz uma crítica inconsistente ao camarada Enver Hoxha levando em conta, novamente, a necessidade de uma “flexibilidade tática”. Não queremos no presente artigo fazer um debate sobre a importância da tática e da extensão de sua flexibilidade. O camarada Stálin em sua obra Fundamentos do Leninismo faz um arranjo muito didático e profundo sobre qual é a relação dos leninistas com a tática, tal qual o camarada Vladimir Lênin faz o mesmo em seu livro Esquerdismo, a Doença Infantil do Comunismo, e em seus magníficos artigos Novas Tarefas e Novas Forças e Por Onde Começar?

O camarada Ludo Martens faz uma série de perguntas, entre elas, “como pretende Enver Hoxha ‘educar as massas para a revolução contra os revisionista-fascistas’?”; ou “Por acaso será uma revolução sem partido comunista para dirigi-la?”; e então, “Por acaso crê que os verdadeiros comunistas já se organizam fora do partido para uma nova revolução proletária?”; por último, faz uma afirmação verdadeiramente bombástica: “Não havia nem o menor indício do surgimento de um movimento comunista forte do partido, nem de um movimento de massas de caráter revolucionário e proletário”.

A visão realista e dialética da realidade concreta é fundamental para se estabelecer uma tática de luta, onde, nas palavras de Liebknecht, “se as circunstâncias se transformam em vinte e quatro horas, é preciso modificar a tática em vinte e quatro horas”. O fato é que a história do revisionismo, dentro dos países revisionistas, com um partido comunista degenerado à frente, do Estado e de toda a sociedade, com prestigio acumulado pelos anos de luta revolucionária na clandestinidade, colocou à margem do movimento marxista-leninista internacional a necessidade cruel de ter de se travar uma luta de classes, com o objetivo de reestabelecer a ditadura do proletariado em um local onde, teoricamente, ele já existe e está em funcionamento. Separar o joio do trigo nesta época, o revolucionário do reacionário, sem acesso aos documentos que temos hoje, é uma dificuldade extrema, principalmente para quadros que tinham que atuar na mais profunda clandestinidade em seus países.

Essa dura realidade não era incomum, como era o caso, por exemplo, do camarada Kazimierz Mijal, fundador do Partido Comunista da Polônia (KPP), que atuava cladestinamente dentro da Polônia revisionista contra o partido no poder, o Partido Operário Unificado Polaco (PZPR). Em 1984, ele foi, de novo, preso acusado de distribuir panfletos “dogmáticos e stalinistas”. Esse partido contou com o ativo apoio do PTA e do camarada Enver Hoxha. Por um tempo, o camarada Kazimierz Mijal morou na Albânia, e era ativo na Rádio Tirana, sendo o correspondente polaco daquela rádio revolucionária.

Outro exemplo é o Partido Comunista da Alemanha (Marxista-Leninista) (KDP-ML), com o camarada Ernst Aust à frente. A dificuldade dos marxista-leninistas na Alemanha era dupla: de um lado, lutar contra o capitalismo e imperialismo na Alemanha Ocidental; do outro, lutar na mais extrema clandestinidade, para reestabelecer a ditadura do proletariado na Alemanha Oriental, com o então Partido Socialista Unificado da Alemanha (SED) no poder do Estado e de toda a sociedade. Além disto, o KDP(ML) tinha de lutar pela reunificação de seu país então dividido. Este partido também teve grande apoio do PTA e do camarada Enver Hoxha. Ernst Aust comparecia, inclusive, aos congressos do PTA como um delegado internacional.

A própria União Soviética também teve sua organização para tentar reestabelecer a ditadura do proletariado. O então chamado de Movimento dos Comunistas Revolucionários Soviéticos (Bolchevique). Há diversas suspeitas do envolvimento direto do camarada Molotov, que na época tinha sido expulso do PCUS, no lançamento e propaganda da Proclamação Programática dos Comunistas Revolucionários Soviéticos (Bolcheviques), denunciando o regime khrushchevista, defendendo os princípios revolucionários e o camarada Stálin, mas seu envolvimento pessoal jamais foi comprovado. Este movimento contou com o apoio do PTA e do camarada Enver Hoxha, que extensivamente divulgaram o sua Proclamação Programática pelo mundo. Este movimento foi fortemente perseguido, caçado e destruído pela KGB.

Há diversos outros casos, inclusive de sucesso na luta revolucionária! Como por exemplo a Frente Popular de Libertação do Tigré (FPLT), que foi fundada pelo então Meles Zenawi, com apoio do camarada Enver Hoxha, do PTA e de outros partidos marxista-leninistas da África e da Europa, como o Partido Comunista da Espanha (Marxista-Leninista) (PCE-ML). Em suas memórias, o camarada Raul Marco conta em detalhes sua visita à Etiópia para apoiar, com armas em mãos, a luta armada daquele povo mantendo bem alta a bandeira do marxismo-leninismo e da revolução socialista.

A FPLT era uma organização que abertamente declarava, entre 1970-1990, que a Albânia era o único país socialista no mundo. Essa organização foi capaz de levar a cabo a luta armada que derrubou o satélite soviético na Etiópia, Mengistu Haile Mariam. Evidentemente, após a queda do bloco socialista, a FPLT, como também o seu próprio principal dirigente político, Meles Zenawi, entra em profundas contradições ideológicas, assim como todo o movimento comunista internacional. Porém, seu exemplo não pode ser descartado e ignorado, principalmente se tratando de uma grande luta do povo africano que começou pelo seu caráter anticolonial e contra o revisionismo moderno.

Na Iugoslávia, também havia um forte movimento contra o revisionismo, principalmente em Kosovo e da população albanesa que vivia na Iugoslávia. Não são poucos os exemplos de firmeza de princípios, mesmo com a ativa perseguição da UDBA, contra a população albanesa em geral, e os marxista-leninistas em particular. Mas este não era um movimento particular das massas albanesas, Vlado Dapčević foi um revolucionário conhecido na Iugoslávia por sua ácida e destruidora crítica ao revisionismo de Tito, crítica que o levou a ser sentenciado a 20 anos de prisão. Mesmo dentro das masmorras titoístas, Vlado jamais abandonou a causa marxista-leninista e, após a sua liberdade, continuou organizando a luta dos trabalhadores pelo restabelecimento do socialismo. Inúmeros são os movimentos e jornais organizados por operários na Iugoslávia titoísta, na tentativa de restabelecer a verdadeira ditadura do proletariado; inúmeros são os registros de grandes movimentos de massas; inclusive, inúmeros são também os artigos do PTA em defesa desses grupos.

Evidentemente, a luta para esses grupos e muitos outros era de uma grande dificuldade. Lutar na clandestinidade, nas masmorras, na propaganda aberta e fechada, constituía a necessidade de uma coragem e firmeza de princípios verdadeiramente monumental. Por outro lado, entre 1960-1990 esses grupos não tinham nem mesmo parte do material que temos acesso hoje, isso mostra que a luta contra o revisionismo era algo, ainda naquela época, algo que iria requerer grande capacidade de abstração filosófica das massas que precisavam, antes, compreender que aqueles “comunistas” no poder não eram comunistas! Não podemos imaginar a dificuldade que seria a luta política nestes países, porque hoje estamos abençoados com documentos que antes não tínhamos acesso.

A realidade é que, as perguntas levantadas pelo camarada Ludo Martens foram respondidas pelas massas organizadas, pelos quadros e comunistas em seus respectivos países ocupados pelos revisionistas. A nossa dificuldade, ainda hoje, de entender o seu trabalho é prova da sua profunda atuação clandestina, pouco documentada, formada através daqueles bilhetes, cartas e panfletos que eram constantemente queimados pelos próprios militantes que, seguindo as orientações de segurança de seus partidos, não deixaram nada registrado para nós além de vagas memórias de sua militância e, também, do incontestável apoio do camarada Enver Hoxha e do Partido do Trabalho da Albânia (PTA), que jamais diminuiu seu profundo internacionalismo proletário, em defesa da causa da revolução e do socialismo! Já dizia o camarada Stálin, “não há fortaleza da qual os bolcheviques não consigam ocupar” — estes partidos e seus ocultos militantes tinham a sua monumental coragem e vontade enérgica de fazer, novamente, essas palavras de seu dirigente uma realidade.

Podemos levantar um debate sobre a validade da tática adotada pelos camaradas que foram protagonistas da luta contra o revisionismo em seus respectivos países, fazer um honesto balanço histórico, depurar os erros e ressaltar os acertos? Claramente podemos e, para evitar mais erros no futuro, devemos. A melhor tática é definida através do debate, através da luta ideológica e política e, para isto, é necessário ter quadros formados na luta de classes que se baseiam na realidade concreta e não em ilusões políticas acerca das “viragens” de uma direção que não estava interessada há muito tempo em desenvolver a luta de classes e o processo revolucionário. Apenas teremos condições de fazer uma avaliação justa dos acontecimentos nos países revisionistas a medida em que generalizamos, estudamos, aprendemos, formulamos as experiências obtidas pela prática na realidade concreta. Estas experiências são pouco conhecidas por um grande número de comunistas revolucionários, inclusive pelo próprio camarada Ludo Martens.

Uma realidade diferente dessa será possível a medida em que nós tenhamos mais cérebros marxista-leninistas voltados para esse debate e esse momento histórico, para sair da superfície e encontremos a raiz dos fenômenos da luta contra o revisionismo no sentido teórico e no sentido, de fundamental importância, organizativo — Essa afirmação tem um peso ainda mais significativo quando consideramos que temos um partido “comunista” no poder hoje na China, usando símbolos, bandeiras, palavreados e a história da luta do movimento operário para seus objetivos nacionalistas, imperialistas e revisionistas. Como é feita a luta contra o revisionismo na China hoje? Quais experiências temos a levar em conta como exemplo? Esse é o fundamento da prática revolucionária que precisamos encontrar, do qual, infelizmente, não teremos uma resposta imediata, senão apenas uma resposta abstrata e baseada em poucos artigos sobre a “nostalgia” do passado e que não representam, de fato, uma luta organizada no sentido marxista-leninista. Fato é: a classe operária chinesa sente os efeitos colossais do revisionismo, sente na pele e em seus ossos o preço da exploração e da extração de mais-valia. De acordo com o Boletim Operário da China, só esse ano tivemos mais de 1.480 greves deflagradas por trabalhadores de inúmeros ramos e categorias. Este é o maior exemplo que temos, o exemplo do movimento das massas. As minucias, teremos respostas apenas com o tempo e com estudo.

A Missão Fracassada de Zhou Enlai e a Traição Chinesa

O camarada Ludo Martens afirma que a visita de Zhou Enlai à URSS em 1964, após a queda de Khrushchev, visava “ajudá-los a deixar a via revisionista”. Novamente aqui vemos uma clara expressão direta da inocência e da miopia política do PCCh e do camarada Martens acerca de qual era a validade ideológica do Comitê Central do PCUS. Isso demonstra que nem mesmo o camarada Ludo Martens e o PCCh entenderam a natureza da queda e demissão de Nikita Khrushchev e sua substituição por Leonid Brezhnev. Por parte do camarada Ludo Martens, sabemos que a falta de seu entendimento constituem um erro de boa-fé, porém não podemos dizer a mesma coisa por parte do PCCh, de Mao Zedong e de Zhou Enlai, do qual sempre afrouxavam a luta de princípios e, continuamente, faziam de tudo para flexibilizar a crítica ao oportunismo revisionista no PCUS, não com o objetivo de convencê-los como parte da luta política-ideológica, mas sim para fortalecer as posições nacionalistas e a política chauvinista do PCCh e tornar a posição da China mais favorável no terreno internacional para se tornar uma superpotência imperialista. Plano este que o camarada Enver Hoxha põe a nu em sua obra O Imperialismo e a Revolução. Em Reflexões Sobre a China, o camarada Enver, em 1964, já observava traços dessas tendências que se confirmaram em 1978:

“Se os camaradas chineses não pararem seu curso em direção aos soviéticos, que desde o início foi equivocada, se os camaradas chineses não consultarem, debaterem, decidirem coletivamente com os outros partidos comunistas e operários, do qual lutaram ombro a ombro com eles nesta luta, se os camaradas chineses não se mostrarem realistas ao analisar a conjuntura e agirem de acordo com uma plataforma marxista-leninista sólida, se forem impelidos pelo egoísmo, pela megalomania e por objetivos de dominação, certamente cairão em erros graves, sendo os principais perdedores.”[2]

O camarada Enver não conseguia entender a “validade” da tática chinesa por conta de sua falta de realismo, falta de princípios, megalomania absurda e, a questão mais essencial, a falta, inclusive, de um senso tático revolucionário, não à toa essa “tática” fracassou desde as suas fundações!

“Hoje, os camaradas chineses correm para Moscou o mais rápido possível. Por que? Para ajudar os ‘queridos camaradas’ revisionistas, os colaboradores mais próximos de [Khrushchev], e ‘através deles ajudar as forças revolucionárias na União Soviética’ etc. etc.?! Isto é um absurdo!

Para nós, marxistas, três paredes não seguram as águas. Por trás disso existem outros objetivos mórbidos.

Não fomos nós que derrubamos os dirigentes soviéticos, isto cabe ao seu partido e ao seu povo decidir. As nossas justas posições deveriam ajudar os revolucionários soviéticos a tomar a decisão certa. Mas aí vem a pergunta: será que, ao ajudar os revisionistas com tanto zelo, estaremos ajudando os revolucionários soviéticos? Dizer que sim significa que você não é um revolucionário. É, por acaso, um gesto revolucionário oferecer sua mão aos contrarrevolucionários para ajudá-los no momento em que sofrem uma pesada derrota, precisamente nestes momentos mais favoráveis à revolução, em que eles não dão sinal nenhum de alguma mudança significativa, mas, pelo contrário, declaram em voz alta que continuarão seu curso traiçoeiro declarados entre o 20º e o 22º Congressos? Não, isto é contrarrevolucionário, antimarxista e revisionista.”[3]

O pior cego é aquele que não quer ver. O “apoio” de Zhou Enlai à direção soviética e nada significaram a mesma coisa, porque a queda de Khrushchev jamais marcou o fim de uma tendência política que disputava o poder soviético desde os anos de 1920, tendo Bukhárin e o bloco trotskista e de direita à frente, que eram marcados por oportunistas e traficantes, tecnocratas e conspiradores que assassinaram o camarada Kirov, o camarada Maxim Gorky, que o próprio Ludo Martens tão consistentemente denunciou e pôs a nu em sua grande obra Stálin, Um Novo Olhar! O que conhecemos por khrushchevismo não começou com Nikita Khrushchev, o próprio camarada Kaganovish afirmou em suas memórias que “depois de ler as chamadas Memórias de Khrushchev, publicadas na revista Ogoniok, fiquei convencido de que a avaliação de Molotov é justa. Nem sequer vale a pena responder a Khrushchev para não descer ao nível da vendedora de mercado que grita para a vizinha: ‘Porca é você!’. Tive por ele ternos sentimentos de amizade, mas é claro que me enganei. Concluí que Khrushchev não é um simples camaleão, mas um reincidente do trotskismo”.

A posição correta dos dirigentes chineses não seria “retificar os erros gradualmente, tratando-o com um espírito amistoso”, mas cercar os revisionistas, que sofreram uma derrota vergonhosa e foram obrigados a substituir seu principal expoente, Khrushchev, por um de seus adidos e colaboradores mais ativos; demonstrar ativamente que o grupo no poder não chegou a essas posições pelas vias do partido, mas agindo de forma conspiratória contra ele e os interesses da classe operária; que tudo foi feito através de um golpe militar e que cabia às massas salvaguardar o partido que foi usurpado delas pelo conjunto de tecnocratas e Primeiro-Secretários, que tentaram a mesma coisa em 1938 com Yezhov; não seria enfraquecer a luta de classes, mas expandi-la, tomar as medidas que a tornassem mais agudas e insuportáveis para que os dirigentes revisionistas soviéticos continuassem governando! Diante dessa imperatividade, o camarada Ludo Martens não consegue compreender o motivo da indignação do camarada Enver, que não se contenta com as migalhas da direção soviética, da falida tática chinesa e que coloca em lençóis limpos uma clara possibilidade de uma “traição chinesa”. Ora, senhoras e senhores, mais uma vez a história está testemunhando a clarividência do camarada Enver Hoxha, pois a direção chinesa também traiu o marxismo-leninismo, o socialismo e a revolução!

Infelizmente, ao que parece, o camarada Ludo Martens, neste artigo, está sempre um passo atrás da realidade concreta, justificando as posições chinesas sem ter enxergado suas consequências para o movimento comunista internacional nos momentos subsequentes. Do outro lado, mostra, ainda, como era profunda a sabedoria do camarada Enver e de todo o PTA, porque sozinhos eram capazes de olhar essas movimentações com os dois pés bem cravados no chão, observando o fenômeno em seu movimento dialético, mantendo alta a vigilância para os erros e acertos.

Aproximação com os Estados Unidos e o Plano da Superpotência

Acreditamos que este trecho seja o ponto fundamental de todo o erro do camarada Ludo Martens. Pelo motivo de que, em suas acusações, o camarada Martens sublinha que o camarada Enver “flertava com o trotskismo” e que suas análises tediam diversas “extravagâncias pueris”. Dentro deste trecho do nosso artigo, nos atentaremos a três trechos inteiros do artigo de Martens, mais especificamente os intertítulos “Nixon e o lacaio do imperialismo americano”, “China: Desvio Oportunista ou social-imperialismo?” e “Crítica ao revisionismo ou luta extremista?” — Recomendamos a todas e todos que os leiam atentamente antes de observarem nossos comentários.

A primeira concepção que devemos levantar é o argumento do camarada Martens sobre a aproximação da China com os EUA, da qual ele apresenta como uma necessidade para o reconhecimento do governo americano para com o poder estabelecido na China, graças ao triunfo da Grande Revolução Chinesa de 1949, a normalização dos direitos da China na ONU e nas organizações internacionais. Devemos afirmar prontamente que esses argumentos são, na verdade, uma grande lorota da direção chinesa, que acobertava seus reais planos econômicos e políticos. Veremos isso mais à frente.

Em nada, absolutamente nada, a aproximação de Mao Zedong com Nixon deve ser comparada com o Tratado de Brest-Litovsk, ou mesmo com todas as articulações da URSS, com o camarada Stálin à frente, na luta contra o fascismo, seja a convocação da Liga das Nações para o perigo do nazismo alemão para a Europa, ou o Pacto de Não-Agressão Molotov-Ribbentrop. Nenhuma destas comparações é justa e honesta. Faltou o camarada Martens, para fechar o ciclo de exemplos ruins de “unidade”, também exemplificar a aliança de Stálin, Churchill e Roosevelt contra a Alemanha nazista, a Itália fascista e o Japão na Grande Guerra Patriótica.

O camarada Martens não coloca a necessidade do Tratado de Brest-Litovsk para salvar milhões de vidas soviéticas, que já sofriam com a fome, o desemprego e a miséria, que estavam ameaçadas e foram de fato vitimadas por uma “guerra civil” pelo restabelecimento do czarismo, que contou com o apoio militar e econômico de dezenas de países estrangeiros; o camarada Martens não coloca a necessidade do Pacto de Não-Agressão, para adiar uma guerra que ceifou a vida de 27 milhões de soviéticos, um número inimaginavelmente grande e inconcebível para o cérebro humano de tão devastador e monumental. Nada dessas comparações de vida ou morte, nenhuma, justificam a aproximação chinesa com a principal força imperialista do mundo que, desde o final da guerra em 1945, fazia de tudo para começar uma nova guerra nuclear, agora mirando nos povos soviéticos e nas democracias populares! O camarada Martens não falou da extensa campanha internacional protagonizada pelos povos soviéticos, principalmente pelo camarada Andrey Vyshinsky e o camarada Stálin, para evitar essa nova guerra, sem ao menos conceder um centímetro de terreno ou concessão às potências imperialistas.

O camarada Ludo Martens também não falou que, durante a Guerra de Libertação Nacional Antifascista, o PKSH, com o camarada Enver Hoxha à frente, fizeram compromissos com as forças britânicas e norte-americanas na luta antifascista, tal qual a URSS. Tudo registrado em sua obra de 400 páginas A Ameaça Anglo-Americana na Albânia (Memórias da Guerra de Libertação Nacional). Se o camarada Enver Hoxha flertasse com o trotskismo, como ele conseguiu ser o maior exemplo, na teoria e na prática, da acertada tática da Comintern da luta contra o fascismo, difundida pelo camarada Georgi Dimitrov, com o estabelecimento de uma Frente de Libertação Nacional Antifascista (LANÇ), da qual soube utilizar, com grande habilidade, todas as forças sociais e apoio externo na luta contra o inimigo invasor e, no final, descartou e isolou essas forças no momento apropriado para fortalecer a hegemonia do proletariado no governo que viria se estabelecer, fazendo vitoriosa a revolução socialista em novembro de 1944? Essas são perguntas que os defensores deste artigo do camarada Ludo Martens não serão capazes de responder se quiserem ter validade histórica.

Por isso, afirmamos, que não é justa a comparação assimétrica e sem equivalência do camarada Ludo Martens da aproximação chinesa com o imperialismo norte-americano com todos os exemplos “históricos” dados por ele de “aproximações”. Isto demonstra, por outro lado, que o camarada Martens tinha dificuldade de achar o elo central da cadeia, como eram tão habilidosos o camarada Lênin, Stálin e Enver.

Não, o objetivo da visita de Nixon na China não era o reconhecimento do Estado chinês por parte dos Estados Unidos. Essa é a superfície da questão fundamental. Principalmente se levarmos em conta as visitas “secretas” de Henry Kissinger e as conversas igualmente “secretas” deste com Mao Zedong nos anos subsequentes. Mais ainda, precisamos olhar mais atentamente para a história da crise do sistema capitalista nos anos 1970-1980 para desnudar e entender efetivamente a real natureza das relações históricas que se desenharam entre a China e os EUA.

A tese marxista fundamental é, como nesta época, nos estados imperialistas, os capitalistas avaliavam que existia um poder excessivo do trabalho em sua relação com o capital e que, portanto, era necessário, para sair da crise, “disciplinar” o trabalho. A partir desta época, até os anos 1985, isto foi concretizado pelo desenvolvimento da economia neoliberal transportando toda a mão de obra da manufatura, da cadeia de produção capitalista, para o sudeste asiático, sendo Reagan e Thatcher os expoentes mais claros da concretização dessa política de desindustrialização, financeirização e liberalização completa da economia.

Mostrando que a crise que se desenvolveu desde os anos 1970, onde os salários permaneciam estagnados (como estão até hoje), inclusive em sua participação na renda nacional que caíam ano após ano, corroborou para uma nova dificuldade do sistema capitalista: como estabelecer a demanda efetiva quando a participação do salário está estagnada e diminui cada vez mais, pensando, principalmente, que os salários são pagos em forma de dinheiro e compram bens? A resposta para isto foi o fortalecimento da economia de crédito, espalhando aos quatro cantos do planeta os cartões de crédito que fizeram, por exemplo, famílias norte-americanas triplicarem sua dívida em menos de trinta anos. Entre 1970 e 1980, Thatcher e Reagan resolveram temporariamente o problema do trabalho e sua relação com o capital ao agradar o capital financeiro transportando a manufatura para o sudeste asiático. Porém eles não fizeram mais do que atrasar a crise inevitável de sua época em algumas gerações.

Com a financeirização da economia norte-americana e europeia, o que levou ao endividamento vertiginoso, o principal setor atingido por essas dívidas foi o mercado imobiliário. Com isso, se estabeleceram as condições que levaram o sistema capitalista a pior crise de sua história, a crise que até hoje não nos recuperamos, a crise de 2008. Esta crise desenvolvida, mostrou a assertividade da teoria marxista de que o capitalismo nunca resolve suas crises, ele apenas as transporta geograficamente e as atrasa, causando impactos destrutivos inimagináveis.

O país que mais se beneficiou desse transporte geográfico dos sistemas de manufatura da produção capitalista para o sudeste asiático foi a China, que soube capitanear toda essa transformação, para obter tecnologia, fortalecer uma ampla proletarização de sua economia, e cumprir parte do seu plano a longo prazo de se tornar uma superpotência imperialista. Por isso vemos, cidades antes proletarizadas na Inglaterra e nos Estados Unidos com fábricas e indústrias esvaziadas, isto é, com uma redução gigantesca da participação do trabalho, o que agradou profundamente os financiadores e os acionistas do capital financeiro, que é a raiz de toda a contradição moderna. A resposta do sucesso chinês não está, como afirmam os socialdemocratas, na capacidade do PCCh em “adestrar” o capitalismo, mas em como a China e a classe operária chinesa foram exploradas, “adestradas” pelo capitalismo, até os ossos para tornar esse plano e esse transporte de indústrias e tecnologia possível, em como a economia capitalista buscou “adestrar” o trabalho, levando a classe trabalhadora chinesa às condições mais desumanas de exploração.

Mao Zedong e o PCCh não eram inimigos deste plano, pelo contrário, eram seus principais representantes. Para este plano funcionar e ter capilaridade em sua execução a longo prazo, era necessário estabelecer relações em todos os lugares do planeta com quem quer que fosse, estabelecer alianças táticas com elementos reacionários, torná-los aliados permanentes, adidos e representantes locais dos interesses chineses, ligados por mil fios ao capital norte-americano, já que a “principal ameaça para o mundo era o social-imperialismo soviético”. Surge aí, uma necessidade histórica do estabelecimento de uma teoria que corroborasse com essa linha política em curso na política externa da China, da qual a “justificasse teoricamente” para o mundo e, principalmente, para seus representantes locais, assim surge através de Mao Zedong, Deng Xiaoping e o jornal Diário do Povo a chamada “Teoria dos Três Mundos”.

Nada é acidental ou parte do acaso, assim, com a visita de Nixon à China, este momento ficou marcado como a aproximação chinesa do capital norte-americano, porém, essa aproximação tinha uma data de validade estabelecida. A medida em que os chineses tivessem acesso à tecnologia, indústrias, ampla atividade comercial em seu país, desenvolvimento amplo da sua economia e setores sociais antes atrasados pela estagnação, tal qual a solução dos principais paradigmas sociais de sua época, isto é, a pobreza generalizada de sua população, então ela teria as condições necessárias reunidas para se voltar de vez contra seu antecessor, mirando agora numa disputa hegemônica contra os Estados Unidos, tendo os Russos como seus principais aliados.

A única força social que observou essa movimentação dialética de contrários em sua realidade objetiva foi o Partido do Trabalho da Albânia (PTA) com o camarada Enver Hoxha à frente.

Toda esta história da recente crise do capitalismo que contamos está registrada em profundos detalhes nesta grande e monumental obra, O Imperialismo e a Revolução. Lançada entre abril e dezembro de 1978, neste livro já estão registrados os contornos das contradições que vivemos atualmente em nossa época com a luta interimperialista entre Estados Unidos, China e Rússia pela partilha do mundo e suas zonas de influência. Nesta obra do camarada Enver Hoxha já há uma crítica consistente da teoria dos três mundos, os reais motivos para o seu estabelecimento na história, e um apunhado bastante sobrenatural da clareza e dos caminhos futuros do que se tinha definido pelo plano da China em se tornar uma superpotência. Para além da crítica à teoria dos três mundos e ao plano chauvinista da China, o camarada Enver Hoxha também já nos armou possíveis viragens para o futuro próximo, para o que começou a se desenhar na primeira década do século 21.

“A política pragmática e confusa da China levou-a a tornar-se aliada do imperialismo norte-americano e a proclamar o social-imperialismo soviético como o inimigo e o perigo principal. Amanhã, quando a China verificar que alcançou seus objetivos de debilitar o social-imperialismo soviético, quando constatar que, segundo sua lógica, o imperialismo norte-americano estiver se fortalecendo, então, já que ela se apoia num imperialismo para combater o outro, poderá prosseguir a luta no flanco oposto. Nesse caso o imperialismo norte-americano poderá tornar-se mais perigoso e a China converterá automaticamente a atitude anterior em seu contrário.”

O que é a “teoria da multipolaridade”, palavra da moda entre todos os partidos revisionistas, eurocomunistas e socialdemocratas de nossa época, senão a continuação necessária da teoria dos três mundos, onde a China e o PCCh se utilizam de uma força imperialista para se voltar contra outra, agora tendo os Estados Unidos como principal inimigo? Essa é a confirmação mais clara da validade da vida e obra do camarada Enver Hoxha, e de toda a luta do PTA para tirar o movimento operário internacional do pântano que fomos jogados pelo revisionismo moderno, iniciado pelo 20º Congresso do PCUS e que teve sua continuação pela traição chinesa à luta dos povos.

Portanto, não podemos errar em política, precisamos ser revolucionários, cremos ter visto que qualquer afirmação pelo camarada Ludo Martens sobre “as inverdades flagrantes de Enver Hoxha” não passam por ser mais do que a constatação mais profundas da realidade e do mundo que vivemos, das contradições de nossa época, e que, infelizmente, o camarada Ludo Martens não teve capacidade de observar em nome da preservação de uma “pureza” ideológica do “Pensamento Mao Zedong” que, desde suas fundações, já estavam imundas, pois jogam lama nos olhos dos revolucionários que perdem a capacidade de enxergar como a realidade se transforma ao seu redor e de qual é o caminho acertado para transformá-la na via da revolução socialista.

Uma Forma de Conclusão e Outros Erros

A medida em que já fomos capazes de, à luz do marxismo-leninismo, responder e evidenciar a plenitude dos principais erros cometidos pelo camarada Ludo Martens, com profundo espírito de camaradagem em respeito a sua influência no movimento comunista internacional e a estatura de seu exemplo, por jamais baixar a bandeira da revolução socialista e da luta anticolonial, estamos a caminho de finalizar, finalmente, nosso pequeno ensaio. Cabe, por último, ressaltar alguns pequenos equívocos e erros factuais cometidos pelo camarada Ludo Martens.

Sobre a questão do campesinato e da classe operária, Martens ressalta um artigo de Mao Zedong de 1926, para demonstrar a “validade” da classe operária chinesa que, apesar de pouco numerosa, seria a vanguarda do processo revolucionário. O camarada Martens não compreende que Enver está se referindo ao papel do campesinato (e da juventude) no período da “Grande Revolução Cultural Proletária”. Posteriormente, o camarada Enver denuncia um momento, inclusive, em que operários chineses foram agredidos pelos Guardas Vermelhos, algo testemunhado pela delegação albanesa na China neste período. Este é, na verdade, um erro comum que a crítica maoísta comete ao falar sobre o camarada Enver, não compreender a diferença de épocas e como, sumariamente, a classe operária foi deixada de lado pelo PCCh. É particularmente estranho insistirem neste erro, já que em 1944 a revolução albanesa teve um conjunto majoritário de camponeses em suas fileiras, no exército da LANÇ e no PKSH. A classe operária albanesa era minúscula nesta época, não representando nem mesmo 10% da população. Enver sabia mais do que ninguém que a vanguarda da classe operária não se dá por números, ou mesmo que a Revolução Chinesa de 1949 não seria possível sem a participação da classe operária. A questão é onde e em qual época Enver está se referindo, isto é, a época da “Revolução Cultural”.

Por último, o comentário do camarada Ludo Martens sobre as contradições e a unidade no partido, usando o caso do complô de Beqir Balluku como exemplo, mostram que, tanto os maoístas em geral quanto o camarada Martens em particular, tem uma grande dificuldade de entender como funcionavam as atividades conspiratórias dos agentes estrangeiros e dos revisionistas dentro do PTA, — a exemplo do revisionista português Francisco Martins Rodrigues (que, a propósito, não merece nenhum respeito dos revolucionários, pois delatou camaradas nas prisões da PIDE, como um covarde egoísta, autossuficiente e traidor que era), que já cometeu o erro vergonhoso de sair em defesa de Mehmet Shehu e sua quadrilha.

Beqir Balluku era um conhecido reincidente do revisionismo desde 1956, quando ele tentou transportar as criticas de Nikita Khrushchev ao camarada Stálin dentro do Comitê Central do PTA na altura da realização do 3º Congresso do Partido, o que, inevitavelmente, levaria o PTA para a linha oportunista junto com os demais países do leste europeu e da Ásia[4]. Ao longo dos anos, a quadrilha de Beqir Balluku atuava ativamente contra a linha do partido, não agindo no espírito do debate e da resolução de contradições através da criação e formulação de sínteses, não através da linha de fortalecer a unidade monolítica do partido e do cumprimento do centralismo democrático, mas atuou de forma faccionalista e, para atingir seus objetivos, utilizou também o aparato estatal para atingir seus objetivos de médio a longo prazo. Para isto, se utilizando do Exército, planejaram um golpe de estado[5].

Inicialmente, o Birô Político do PTA não sabia de nenhuma dessas atividades e fez a crítica camarada, ao longo de vários anos, no sentido de Beqir Balluku e seus agentes corrigissem, em um profundo processo autocrítico, uma série de erros, manifestações errôneas e irregularidades na condução da linha do partido. Através da atividade e promoção carreiristas dentro do Exército e conscientemente sabotando as diretivas do partido na condução ideológica e organizativa do Exército, o plano de Beqir Balluku foi descoberto e o controle coletivo do Exército foi assegurado.

Agora podemos levantar a questão: por que o camarada Martens apoia a atividade do PCUS no processo contra Mikhail Tukhachevsky e sua quadrilha por sabotagem contra o Exército Vermelho e por manter contatos espúrios com agentes estrangeiros, mas o camarada Martens não apoia o processo do PTA contra Beqir Balluku e sua quadrilha por sabotagem do Exército albanês e por manter contatos espúrios com agentes estrangeiros da URSS khrushchevista? Não há nenhum sentido aqui.

Para finalizar, o camarada Ludo Martens fala que os supostos “crimes de Adil Carçani foram a ‘descentralização da economia, a orientação para a autogestão, a sabotagem de nossa indústria petrolífera, inchamento da burocracia’”. Isto está profundamente errado, é um erro factual, pois o camarada Adil Çarçani nunca cometeu ou foi acusado de cometer crime algum na época socialista. Pelo contrário, ele era um camarada destacado desde a Guerra de Libertação Nacional e teve grande validade político-ideológica na edificação do socialismo na Albânia, sendo um marxista-leninista consistente por toda a sua vida, sempre estando ao lado do PTA e do camarada Enver Hoxha. Após o suicídio de Mehmet Shehu, em 1981, o camarada Adil Çarçani é eleito Primeiro-Ministro da Albânia.

Então, é mais do que errônea a afirmação de que “para Enver Hoxha, toda divergência séria se converte em complô”, o debate coletivo no partido era feito no sentido de se chegar à sínteses coletivas, essa é a diferença de um partido que cumpre o centralismo democrático marxista-leninista, que sabe estabelecer uma linha monolítica e revolucionária para todos os seus quadros, e os partidos de “pluralismo ideológico”, no qual se convertem em grupos faccionalistas unidos e que buscam, com o tempo, um mordiscar o outro até que a facção oposta seja derrubada, típico em partidos maoístas e no próprio PCCh, mas sob o nome de “luta de duas linhas”.

Ressaltamos, mais uma vez, nosso objetivo de elevar o debate ideológico e camarada com este ensaio, buscando unificar ainda mais os quadros políticos que querem construir a revolução socialista em nosso país e no mundo, sob a bandeira de Marx, Engels, Lênin, Stálin e o camarada Enver Hoxha!


Referências Bibliográficas

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5. HOXHA, Enver. The Khrushchevites. 1. Ed. Tirana: Shtëpia Botuese “8 Nëntori”, 1980.

6. KAGANOVICH, Lazar. Das Memórias de Kaganóvitch. 1. Ed. Lisboa: Para a História do Socialismo, 2011.

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23. DIMITROV, Georgi. A Unidade Operária Contra o Fascismo. 1. Ed. Recife: Edições Manoel Lisboa, 2014.

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Notas de Referência

[1]. Esse artigo é um trecho do livro do camarada Ludo Martens, De Tien An Men à Timisoara – Luttes et débats au sein du PTB (1989-1991) – Tradução livre: Da Praça da Paz Celestial a Timișoara – Lutas e Debates no PTB (1989-1991).

[2]. Enver Hoxha: Reflexões Sobre a China, Tomo 1, página 138 – Casa de Publicações “8 Nëntori”; Tirana, 1979.

[3]. Enver Hoxha: Reflexões Sobre a China, Tomo 1, página 139 – Casa de Publicações “8 Nëntori”; Tirana, 1979.

[4]. Instituto de Estudos Marxista-Leninistas do Comitê Central do PTA: História do Partido do Trabalho da Albânia, página 300 – Casa de Publicações “8 Nëntori”, Segunda Edição Inglesa; Tirana, 1982.

[5]. Instituto de Estudos Marxista-Leninistas do Comitê Central do PTA: História do Partido do Trabalho da Albânia, página 502 – Casa de Publicações “8 Nëntori”, Segunda Edição Inglesa; Tirana, 1982.