o Realismo Socialista e a Literatura
Texto original encontrado no Relatório do 1º
Congresso de Escritores Soviéticos de 1934. Esse texto é uma recuperação
histórica do blog Unidade e Luta para a criação de um acervo de textos
nacionais e internacionais para fortalecer os Marxistas-Leninistas do nosso
país com a mais bela teoria revolucionária.
O HERÓI CENTRAL NA NOSSA
LITERATURA DEVE SER O HOMEM QUE TRABALHA
Na Antiguidade, a criação
oral foi o único meio artístico de que os trabalhadores se serviram para
organizar suas próprias experiências; foi a personificação da ideia nas imagens
e a inspiradora da energia na coletividade. Deve admitir-se que na URSS esse
meio artístico teve como objetivo fundamental acelerar de uma forma conjunta o
impulso cultural de todas as unidades que a constituem, de maneira a que todos
e cada um dos seus membros se apercebessem do triunfo e das conquistas feitas,
aspirando a transformá-la em parte, em dirigir as forças da natureza.
Todos conhecemos mais ou
menos o processo econômico e, por conseguinte, a divisão do domínio político,
porque isso equivale à usurpação do direito dos trabalhadores de serem livres.
Quando o conhecimento do mundo era exclusivo dos sacerdotes, estes, para
organizar esse direito, recorriam a uma explicação metafísica dos fenômenos ou
às forças da natureza para lutar com os braços do homem. Tal forma de excluir
da natureza alguns milhões de trabalhadores constituiu um autêntico crime.
Contribuiu para conservar as massas na mais profunda ignorância e numa terrível
cegueira intelectual povoada de superstições, preconceitos e receios. O partido
leninista e o poder operário-camponês da URSS – ao destruir o capitalismo em
tudo o que antes formava o território czarista, ao encomendar as direções
políticas às massas – traçou como meta a alcançar a sua salvação de um jugo
que, de um modo notório, mostrou seus vícios e sua impotência. Nos limites
deste propósito devemos nós, escritores da URSS, contemplar, apreciar e
organizar a realidade. Ter em conta este preceito: o trabalho das massas
organiza a cultura, é o criador de todas as ideias, mesmo aquelas que durante
séculos contribuíram para menosprezar a significação decisiva do trabalhador; é
a fonte de conhecimento, mesmo das ideias de Marx, Lênin, Stalin que, no nosso
tempo, edificam a consciência revolucionária, baseando-se no direito do
proletariado de todos os países.
Na URSS, essa ação de massas
é a base da criação científica e artística. Devemos ainda ter em conta para o
triunfo da nossa causa, que o trabalho socialmente organizado entre
trabalhadores e camponeses, no prazo de dez anos, ofereceu vantagens muito
consideráveis: preparou-se para a defesa e poderá agora repelir qualquer
agressão do indivíduo. A apreciação verídica deste fato demonstrar-nos-á a
força dos ensinamentos que unem o proletariado do mundo inteiro.
Devemos confessar que
escritores, operários e kolkhosianos ainda trabalhamos mal e não podemos
assimilar por completo o que através do nosso próprio esforço foi criado.
Nossas massas trabalhadoras não se aperceberam inteiramente de que já não
trabalham para nenhum patrão, mas para si próprias. Essa consciência não
atingiu ainda sua plenitude nem toda sua pujança. Nada chega ao estado de
ebulição, claro, antes de ter atingido determinada temperatura. Mas ninguém
como o nosso Partido soube até hoje fazer subir a temperatura da energia
trabalhadora como o fizeram Vladimir Lênin e seu atual dirigente.
O herói dos nossos livros
deve ser o trabalho personificado no trabalhador, que conta já entre nós com a
força da técnica contemporânea; o homem que, por sua vez, organiza o trabalho
tornando-o mais fácil, mais frutuoso e elevando-o à altura da arte. Devemos
entender o trabalho como criação, conceito esse que, como escritores, poucas
vezes temos o direito de usar. Constitui uma certa tensão extrair da reserva de
nosso saber e de nossas impressões os fatos mais característicos; formam um
quadro e são pormenores que a nossa inteligência envolve com vocábulos precisos
e correntes. É uma qualidade de que a literatura jovem não pode ainda
vangloriar-se: nem a reserva de impressões, nem a soma de conhecimentos são
nela muito abundantes, tal como são ainda incipientes os desejos de incensar e
aprofundar essa literatura.
O tema, tanto na literatura
russa como na literatura estrangeira do século XIX, é o indivíduo em oposição
com a sociedade, o Estado e a Natureza. A causa primordial que obrigava o
indivíduo a tomar essa atitude radicava-se na formação (contrária à ideia de
classe) dos costumes e na abundância de impressões negativas. O indivíduo
sentia que essas impressões o oprimiam, o inibiam; mas de maneira bastante vaga
compreendeu mesmo assim a responsabilidade que significava ser vulgar, que era
um defeito básico da sociedade burguesa. Johnatan Swift é único em toda a
Europa, mas a burguesia retratada através desse autor apareceu apenas na
Inglaterra. Em geral, pode-se dizer que o rebelde desta índole, ao criticar a
vida da sociedade em que viveu, poucas vezes se mostrou consciente da sua
própria culpa. Sua crítica contra a ordem reinante não era motivada pela justa
compreensão de causas sociais ou políticas, mas sugerida pelo desespero sofrido
na jaula do capitalismo, ou melhor, pelo desejo de vingar o seu escasso êxito e
as humilhações suportadas. Pode-se dizer que, quando esse rebelde se colocava
ao lado das massas trabalhadoras fazia isso com a esperança de que a classe
operária, ao destruir a sociedade burguesa, lhe garantisse a liberdade de
pensamento e a liberdade de ação. Repito: o tema essencial da literatura
pré-revolucionária serviu de drama ao homem que considera a vida apertada, que
se sente a mais na sociedade, que procura um lugar cômodo e, não o encontrando,
sofre, morre ou reconcilia-se com a sociedade que lhe é hostil, se acaso não
desce mesmo ao alcoolismo ou ao suicídio.
Na URSS não podem existir
pessoas a mais, desde o momento em que cada cidadão goza de amplas
possibilidades para desenvolver suas capacidades e seu talento. Não se lhe
exige mais do que uma coisa: ser sincero e contribuir heroicamente para
realizar uma sociedade sem classes.
NASCE
UM NOVO HOMEM NO PAÍS DOS SOVIETES
Na URSS, toda a população participa no trabalho, na nova cultura, através do poder operário-camponês. Resulta daí que a responsabilidade por erros e negligências, expressões características da pequena-burguesia, recai sobre todos e cada um de nós. De fato, deve criar-se uma espécie de autocrítica que ajuda criar a moral socialista, barômetro de iniciativa em nossas mútuas relações. Porém, todos encaramos mal a própria realidade.
Mas a paisagem do país
alterou-se. A cor local e a sua miséria desapareceram. Dantes eram a franja de
luzerna ao lado da escura parcela mal semeada; o dourado plaino de centeio ou o
verde do candial; os sulcos invadidos pela cinza. Em resumo, a tristeza
multicolor da desagregação e da ruína, enquanto agora enormes extensões de
terra se cobrem com o mesmo e invariável aspecto. Por cima de cidades e aldeias
não mais a igreja se sobressai, mas os edifícios das instituições sociais. Por
sua profusão de janelas, brilham as fábricas gigantescas e, cada vez mais
distantes, brilham ainda as pequenas igrejas como sinais daquilo em que o povo
exprimiu o seu gênio. Este contraste, esta nova paisagem que veio mudar a face
da nossa terra, faz muita falta no panorama da literatura.
Vivemos, pois, em plena fase
de destruição dos velhos costumes. Desperta no homem a dignidade, ele ganha
consciência de si mesmo e sente-se como a força que transforma o universo.
Pelo que diz respeito ao
nosso ambiente, devemos reparar que o novo tipo de homem surge particularmente
e com grande força da infância, elemento esse de que quase não se ocupa a nossa
literatura. Dir-se-ia que os escritores consideram indigno ocupar-se das
crianças ou escrever mesmo para elas.
Estou certo de que não me
engano ao fazer notar que os pais da URSS começam a mostrar-se muito carinhosos
para os seus filhos. É uma coisa natural dada que pela primeira vez na vida da
Humanidade as crianças se convertem em herdeiros, não do dinheiro ou dos bens
de seus pais, mas antes de valores reais: de um Estado Socialista legado por
seus pais e mães. Nunca existiu uma infância que possuísse a consciência da
nossa, que quase sempre costuma arvorar-se em juiz do passado.
Vemos, pois, que a realidade
não adultera; todos os dias nos abastece de material para generalizações
artísticas. E, contudo, nem o drama nem a novela nos oferecem a imagem da
mulher soviética em toda a sua plenitude, da mulher que atua livremente em
todos os domínios do construtivismo e da vida social. E, além disso, esta
transformação parece ter desorientado os dramaturgos dados que criam sempre
poucos papéis femininos. É uma desorientação que contrasta com a realidade,
onde a mulher soviética tem demonstrado seus múltiplos dotes para o trabalho.
Semelhante atitude acaba por
ser uma espécie de resíduo formal. Como se o homem tivesse esquecido de que
durante séculos a mulher foi educada apenas para o prazer carnal, como um
animal domesticado, quando muito para desempenhar o papel de dona-de-casa. Ora,
essa pequena dívida, de tal modo infame, que a história deve a mais de metade
dos habitantes da Terra, o homem soviético teria de saldá-la em primeiro lugar
para que servisse de exemplo aos homens de outros países.
Outro tema que nossa
literatura pode realizar: descrever o trabalho e a psique feminina de tal
maneira que acabe por mudar pouco a pouco, como de fato acontece, os próprios
vínculos. Destruir esse caráter pequeno-burguês, aparentemente tomado por
orgulho.
EXPULSEMOS O PEQUENO-BURGUÊS DA NOSSA LITERATURA
Deve confessar-se que a nossa crítica concede demasiada preferência ao redator analfabeto, um sujeito que em vez de ensinar alguma coisa serve apenas para ofender os autores. Não se apercebe de que ao atuar assim estão tentando introduzir em vida atual conceitos pertencentes à literatura populista. Por último, coisa muito importante, não se interessam pelo desenvolvimento das literaturas regionais; costumam descuidar as declarações de escritores a propósito de seus próprios estilos.
A autocrítica é necessária,
camaradas, não devemos esquecer que trabalhamos na presença de um proletariado
que, cada vez mais culto, aumenta sem cessar nas suas exigências quanto a nossa
conduta social.
A comunidade de ideias não
coincide com a índole dos nossos atos e os vínculos do nosso meio, onde o
hábito pequeno-burguês representa um papel muito sério, traduzindo-se em
invejas, cobiças, vulgares calúnias ou mútuas difamações. Temo-nos ocupado
demoradamente sobre estas tendências. Claro, a personificação desse desvio numa
só imagem não foi ainda expressa. Torna-se, pois, necessário descobri-la com
vigor, do mesmo modo que foram descritos alguns tipos universais da raça por
Fausto, Hamlet e outros.
Devo recordar que a pequena-burguesia,
por vezes empurrada pela necessidade, serpenteia pelas costas do proletariado,
espalhando o anarquismo, a egolatria e outras confusões históricas próprias da
sua condição. Em suma, é um pensamento que se nutre apenas do linguajar
cotidiano em vez de se inspirar no trabalho.
A pequena-burguesia propagou
sempre a filosofia individual seguindo a linha de menor resistência, procurou
um equilíbrio mais ou menos estável entre duas forças. A relação entre o
pequeno-burguês e o proletariado distingue-se nisto: um é ainda dono da mais
miserável parcela, enquanto o outro despreza o operário da fábrica que conta
simplesmente com a propriedade dos seus braços. O pequeno-burguês não se
apercebeu de que o proletariado era mais forte até o momento em que o braço
deste último começou a atuar revolucionariamente fora da fábrica.
Nem toda cizânia é nociva, pois existem variedades que produzem venenos que são curativos. O da pequena-burguesia é exclusivamente destruidor. Se não se sentisse tão enfraquecida dentro do anel do capitalismo, nunca teria aspirado nem defendido com tão estéril tenacidade a sua liberdade de pensamento. Pelo contrário, teria provado o seu direito de existir. Não teria criado, ao longo do século XIX, tão grande quantidade de "velhas guardas", de "nobres arrependidos", de "heróis de tempos confusos", de pessoas que não são "corvos nem pavões reais".
Na União Soviética, a pequena-burguesia viu-se afugentada das suas guaritas. Espalhou-se e penetrou ocasionalmente no Partido de Lênin; mas apesar de ser expulsa, acaba sempre por reaparecer depois de cada depuração, exatamente como o gonococo. A direção do Partido deve ser depurada de qualquer influência pequeno-burguesa. Os membros do Partido que atuam no setor da literatura deverão ser mestres da ideologia revolucionária não apenas que organizam as energias do proletariado em todos os países do mundo, mas que revelam uma força moral e uma verdadeira disciplina. Esta força deverá bater-se, acima de tudo, por despertar a responsabilidade coletiva. A literatura soviética, múltipla pelos seus homens de talento e que cresce devido à influência de novos elementos, deve ser organizada em massa compacta, como instrumento de cultura socialista.
Mas a União dos Escritores Soviéticos não reuniu aqui todos os mestres da palavra apenas para fazer deles uma frente, mas com o objetivo de compreenderem em que consiste a sua força coletiva, a fim de precisar com toda clareza as diversas orientações que seu gênio criador pode assumir, aclarar as suas finalidades e constituir com isso uma unidade capaz de canalizar as energias de todo o país. Não se trata de limitar o gênio criador, mas pelo contrário de lhe oferecer possibilidades de ampliar o seu desenvolvimento. Deve-se ter presente que a crítica realista brotou, tal como a criação do indivíduo ególatra e isolado, por simples incapacidade de luta e porque não encontravam lugar na vida, porque começavam a notar a insensatez de vivê-la individualmente. Foram interpretando de idêntica forma como estultos os fenômenos sociais e ainda o processo histórico em geral.
Sem necessidade de negar a importância dessa crítica realista e apreciando, pelo contrário, todas e cada uma das conquistas formais da arte de escrever, devemos compreender que esse realismo já não nos serve senão para esclarecer certas vivências, para lutar contra elas, para as desenraizar; mas não para educar o socialista, dado que, criticando tudo, ele não afirmar nada.
O realismo socialista afirma a existência como atividade e como criação. O seu objetivo primordial consiste em fazer evoluir as possibilidades do homem para que triunfe sobre a natureza. Quer dizer, em favor da sua própria saúde e da sua longevidade. Para viver feliz na Terra, em cujos limites aspira fazer, à medida que suas necessidades vão crescendo uma vasta morada para a Humanidade unida numa única família.
